sábado, dezembro 03, 2005

Crónica da ronda 27.11.2005 (Batalha)

Na última ronda estiveram connosco, pela 1ª vez, a São, a Jacinta e o Manuel! "Bem-vindos!" Foi muito bom ver nas suas expressões que estavam a sentir-se realizados!
Parámos, em 1º lugar, em frente ao Palácio de Cristal à procura de um senhor que foi lá visto, mas que a essa hora não se encontrava nesse lugar...

A seguir, partimos para a Sé à procura do senhor E...que "teimava" em não estar naquele pedaço de chão, no qual, os nossos olhos se habituaram a vê-lo,... ( Lembro-me de que, quando fizemos esta ronda, pela 1ª vez, nos disseram que ele nunca falava quando lhe diziam alguma coisa. Nem sequer sabiam como se chamava. Mas, dessa vez, quando lhe perguntaram o nome ele olhou de forma incisiva para quem lhe fez a pergunta e "resmungou": "O nome que você quiser!!" E eu não me esqueço do ar espantado e feliz de quem se apercebeu de que uma ténue ponte de comunicação acabava de ser construída!).
Voltando a este Domingo: descobriu-se, através de uns miúdos da vizinhança, que o senhor E. caiu, feriu-se na cabeça, e que está no hospital de Santo António.

Conhecemos, também, uns senhores idosos, carenciados, o Sr A. e o Sr. F., que vinham acompanhados de uma senhora. Eles começaram a falar connosco com uma espontaneidade desarmante! Mas, acima de tudo, sentia-se na firmeza da voz, dos gestos que havia, ali, experiência e sabedoria de vida para dar e vender... Se aquelas rugas pudessem falar quantas histórias não contariam acerca da capacidade de enfrentar as adversidades...

Alguém da ronda travou conhecimento com a D. C.. Uma conversa longa, discreta, um murmurar profundo. Um grito no olhar! Outro rosto que respondeu com uma carícia de calor humano. Um encontro entre duas pessoas estranhas que se tornaram Irmãs, a partir do momento em que o Amor ao Próximo "começou a fazer das suas".
(A D. C. é toxicodependente, todavia, não é sem-abrigo. Ela e o marido vão entrar para o CAT em breve).

Tivemos, ainda, oportunidade de conhecer o Sr. C. ( é ex-toxicodependente e está a tratar-se no CAT Ocidental). Enquanto bebia o café, (misturado com açúcar e carinho!! ), e comia bolo, foi falando da sua vida: de como gostaria de trabalhar na montagem de cozinhas apesar de também perceber de soldadura...Não estava inscrito no Instituto do Emprego. Podíamos ver o contorno da desmotivação e da insegurança nas suas palavras, mas, também o desenho de sorrisos delicados! Tentámos motivá-lo a reagir na medida do que nos era possível...

O E., e um amigo seu, também apareceram na Sé ( habitualmente estão numa das esquinas da rua de Alexandre Herculano). Ele irá para o "Porto Feliz" fazer uma desintoxicação em inícios de Dezembro! Estava muito atormentado por já ter passado por um caminho muito sinuoso! Estava desesperado por desabafar, por confessar que tinha vivido situações muito complicadas...por revelar que tinha feito sofrer muita gente! Saltavam à vista um sofrimento interior, um sentimento de culpa, uma exaustão psicológica que o estavam a devorar por dentro...No entanto, quando se despediu ia mais leve, já sorria, até se via isso no seu olhar!

Travou-se, também, conversa com o ZC e o L. (amigos inseparáveis). São toxicodependentes e querem ir ao CAT da Boavista esta semana. Costumam dormir em albergues.

Os sacos da Ternura voaram depressa, apareceram pessoas de todo o lado, vindas "não se sabe de onde", umas atrás das outras....O frio, a chuva e o vento cortavam a pele...

Na zona do Bolhão cruzámo-nos com outro grupo que estava a fazer a ronda e que partilhou alguns sacos connosco, ( OBRIGADA), foi o que nos valeu!

Seguimos para o Silo-Alto. Nas traseiras, lá voltámos a encontrar o Sr. J. e a D. R.. Ele comentou que éramos muitos e que quase chegávamos para fazer uma equipa de futebol! Sem que lhe fizéssemos perguntas disse que tinha sido toxicodependente, mas que se encontrava limpo há vários meses...Revelou também que iria começar a trabalhar daqui a pouco tempo!
Junto deste casal vive o N., um jovem de apenas 18 anos, que trata estas duas pessoas como se fossem seus pais. Antes de vir para o Porto trabalhava como agricultor, numa herdade, em regime de escravidão. Era espancado. Fugiu...Outras pedras no caminho surgiram...Veio para o Porto arrumar carros. Todo o dinheiro que fazia ia parar às mãos de um toxicodependente que o explorava...
Continua a ser arrumador de carros e, agora, está a tratar de pôr em ordem vários documentos pessoais.

Quando voltámos para a parte da frente do Silo-Alto reparámos que o Sr. P. já tinha aparecido e que estava a desabafar as suas mágoas, revoltas com a outra parte da equipa. Dizia que já tinha ajudado muito, mas que tinha recebido ingratidão em troca...
Disse também que, em Janeiro, iria trabalhar para Guimarães e que queria deixar as drogas. No meio da conversa percebemos que houve uma zanga feia com o amigo que lhe faz companhia! O coração doía-lhe! Chorou imenso!

A paragem seguinte foi em Alexandre Herculano. O M. estava mais animado e voltou a mostrar com todo o orgulho a sua cadelinha!
O J., apaixonado pela música, estava cheio de sono e não nos brindou com os seus sorrisos ternurentos...
O A. não estava se encontrava lá...
O Sr. J. contou que a companheira, a C., não conseguiu ficar com o tal emprego na Legião da Boa Vontade e falou de outras situações que, para ele, são grandes obstáculos a ultrapassar!

A última visita que fizemos foi ao M. no Foco. É toxicodependente. Estava dentro duma das galerias sentado sobre o saco-cama. Molhado e cheio de frio! Tentámos aquecê-lo com o abraço das palavras silenciosas dos nossos olhares... Perguntou-nos se não se iria fazer uma festa de Natal nalgum albergue...mas pareceu-nos que, na verdade, desejava festejar o Natal connosco!

4 comentários:

Anónimo disse...

esta cronica devia ter sido assinada pela monica - mas afinal eh ela que gosta do anonimato, certo? - porque eu evidentemente nao faço duas rondas em simultaneo e ja tinha feito a cronica desta noite para a areosa..! gostei, obrigado monica.

Anónimo disse...

Quem haveria de dizer q o Pedro é um malandreco?

Anónimo disse...

Obrigada, Mónica, por ma fazeres reviver essa noite. Adorei a crónica. Conseguiste verbalizar "cenas" fantásticas!

Anónimo disse...

Renata, conseguiste abraçar-me c as tuas palavras!