segunda-feira, março 30, 2009

Crónica da visita à UHSA - 22.03.2009

Às vezes saímos da visita com um aperto cá dentro, com o coração tão pequenino que até dói. Foi o que aconteceu na última visita à Unidade Habitacional de Santo António (UHSA). Mais de 20 utentes, a maioria homens. Cada um com a sua história de vida: uma brasileira conta que esteve cá 4 anos, tem um namorado "ele diz que pr'ó ano me vai visitar ao Brasil…será que vai?" pergunta-se pouco crente. Um marroquino conta como fugiu, sabe que brevemente vai ser libertado e não tem trabalho: apetece-nos ajudar, arranjar alojamento, trabalho.
Saímos a pensar em cada um. O coração apertado. E eu não faço nada, não faço mais nada além desta curta visita? E se arranjássemos um trabalho para o Rax? No dia seguinte a Cláudia telefonou à responsável pelo Serviço Jesuíta de Apoio aos Refugiados, nosso contacto dentro da UHSA. Ficámos a saber que ao Rax já tinha sido proposto um trabalho, mas não quis, não quer um emprego. Arranjar empregos não é a nossa tarefa, ser voluntário não é pensar que vamos mudar o mundo, ser voluntário não é ser voluntarioso. Mas foi bom saber que há alguém lá dentro cuja função é ajudar os detidos, que conhece cada um pelo nome e sabe a sua história. O nosso papel ali é procurar ajudar a passar uma boa tarde de domingo. Parece pouco? Talvez. Conseguimos? Acredito que sim. Mas o que tenho a certeza é que estas visitas fazem mudar algo dentro de mim, algo que muda para melhor.
Ana Aguiar

domingo, março 29, 2009

3ª Crónica das Famílias - Março de 2009

Dia 21 de Março, início da Primavera.
Na passada quarta feira, véspera do Dia do Pai, tivemos a nossa reunião mensal, que correu especialmente bem dada a amável presença de 3 dos nossos casos de família acompanhados. O Sr. F., o ZM1 e o M. foram verdadeiros protagonistas e mestres nos testemunhos simples, genuínos e transparentes que deram, e nas palavras e emoções que transmitiram.
Nesse mesmo dia uma voluntária nova, que passou por este blog, resolveu aparecer para "espreitar" o funcionamento do grupo e integrou a nossa vertente! Mais uma ajuda em boa hora, numa fase de algumas desistências por indisponibilidades várias e pessoas a precisarem sempre de algum tipo de conforto…
Pegando no ponto de situação logística aproveito então para informar que, ao dia de hoje, são 13 as "flores da nossa estação" que acompanhamos com cerca de 30 "colaboradores de Jardineiro" vestidos de voluntários e 10 "adubadores" em apadrinhamento.
Nesse Jardim imenso, há uma certa flôr chamada B. de quem vos falarei hoje, entre o voo das andorinhas.
A B. tem hoje 26 anos e continua no seu processo de tratamento e reconstrução pessoal e social, iniciado connosco há cerca de 2 anos e meio atrás. Decorria o ano de 2005 quando, numa das viagens de ronda dominical, começamos a estabelecer algum contacto com ela; contacto esse que foi sendo aprofundado nos tempos seguintes como quem rega, protege do vento, ou deixa entrar os primeiros raios de sol. Depois de algumas lutas complicadas e primeiros desafios ultrapassados a B. entusiasmou-se verdadeiramente com a ideia de tentar mudar de vida, mais uma vez… Em 2007 aceitou iniciar um processo de desintoxicação com a força de vontade interior de quem já viveu o que muitos adultos, felizmente, nunca viverão. Com esse passo, ainda em processo, outros bagos foram surgindo e sendo colhidos, devagar, devagarinho... Uma família retoma, ao de leve, a ínfima presença de quem avança ainda desconfiado; um ente querido desabrocha suave no contacto e arrisca votos de fé no novo ciclo; um distante transporte ganha contornos de concretização futura deixado no canto a velha cadeira de rodas; o corpo torna-se mais composto e robusto; o olhar ganhando foco; um dia "request" porque houve compromisso e verdade… Como a alternância das estações os passinhos da B. têm sido feitos de ciclos de avanços "em círculos", onde "à frente" e "atrás" se tocam inúmeras vezes em linhas que não são rectas e desenhos que não se fazem dessas certezas e objectividades com que algumas vidas humanas são estabelecidas. A B. tem o seu próprio clima, o seu próprio tempo, a usa própria estação.
No final do ano de 2008 algumas alterações no estabelecimento onde está em tratamento, bem como na vida dos outros utentes que a rodeavam, proporcionou nova meteorologia - desta vez mais chuvosa, podemos dizê-lo com segurança… - condizendo com a estação invernal que decorria pela altura. O seu comportamento tomou posturas menos correctas, foi necessário algum espaço para a reflexão, para a hibernação.
Actualmente mudou de vaso, mantendo-se no mesmo jardim. Continua em tratamento na mesma instituição mas numa outra zona. Essa mudança impôs-nos, mais uma vez, um tempo de espera e necessária distância. A vida é toda ela feita destes ritmos… Nós é que muitas vezes teimamos em relógios pessoais que de pouco ou nada servem. As estações são senhoras do seu próprio tempo e ora é Primavera… ora chove torrencialmente. Nelas continuamos presentes, amando-a diariamente. Na sua árdua terra em que tem sido raiz em busca de humidade e aprofundamento, o Calor é Silêncio… e será sempre no seio mais íntimo desse chilrear interior que a B. poderá florir verdadeiramente.
Raquel Henriques

sexta-feira, março 27, 2009

"Mankind Is No Island"



O Tropfest e o maior festival de curtas metragens do mundo. Começou há 17 anos atrás em Sydney e no ano passado teve a sua primeira edição em Nova York. O vencedor do ano passado foi este filme que foi totalmente filmado com um telemóvel. O seu orçamento foi de 40 dólares (cerca de 30 euros)!

sexta-feira, março 20, 2009

Crónica das Aldeias - 07.03.2009

Sábado, um sol maravilhoso que nos aquece o coração! Partida rumo às aldeias, para visitar as nossas "senhoras" que poderiam ser nossas avós!

Paragem em Candemil, o nosso local de almoço nestes dias de Inverno, instalámo-nos confortavelmente na varanda da casa da paróquia a saborear a bela sopa de espargos enquanto a conversa fluía entre todos, animada pelos raios de sol.

Partimos em direcção às aldeias, dividimo-nos, para mais tarde, nos encontrarmos em Bustelo e partilharmos a nossa tarde e a nossa vivência.

Com um até já a todos, vou para Basseiros, uma aldeia pequena e simpática, as flores já começam a aparecer, ouvem-se os pássaros chilrear, tudo parece começar a florescer…
Vou até à casa da D. Deolinda que encontro sentada à porta ao sol, não me reconheceu, mas após uma breve explicação identificou-me (afinal só lá tinha estado uma vez há 15 dias atrás), falou-me da doença que a afecta e da sua fragilidade e debilidade física, mas aos poucos lá começou a sorrir e a sentir-se de cada vez mais à vontade, e eu a agradecer aquele desbloqueio.

Mas, entretanto uma agradável surpresa, a Amália disponibilizou-se para fazer as visitas comigo, uma jovem de 17 anos que traz sempre um sorriso no rosto e uma palavra de carinho e conforto para todos!

Despedimo-nos da D. Deolinda, não antes de termos dado dois dedos de conversa com a D. Celeste, que é vizinha e vem sempre receber-nos com um beijo e um sorriso, nestes momentos sinto que existe uma partilha muito genuína entre o ser humano, mesmo quando não conhecemos muito bem as pessoas.

A D. Glória não estava em casa, pelo que fomos ter com a D. Hermínia, que nos recebeu de braços abertos e nos convidou a entrar, falámos sobre os seus filhos, netos, a sua vida, partilhámos também um pouco das nossas vidas com esta senhora de ar feliz e bem com a vida, e continuámos animadas pelos sorrisos que íamos recebendo.

Subimos até à casa da D. Conceição que estava ao sol, e ficou muito feliz ao ver-nos, estava à nossa espera, perguntou pelas outras meninas, como estavam, porque não tinham vindo. E resolveu oferecer-nos uma pulseirinha que tinha comprado numa das suas visitas a Amarante, enquanto dizia "não é nada de especial", o objecto pode não ser especial, mas o gesto é generoso e carinhoso, por parte daquela senhora dos seus 80 anos, que numa das suas idas ao médico a Amarante se lembra das meninas que a vão visitar ao sábado. São estes pequenos, grandes gestos que nos enchem o coração, e nos fazem acreditar que estas visitas são um dar e receber constante, por vezes, sinto que recebo muito mais do aquilo que dou!

Depois de um beijinho, lá vamos encosta acima rumo à casa da D. Dulce, que está rodeada pelo marido, pela filha e pelo neto, mais dois dedos de conversa e vamos embora.

A Amália e eu despedimo-nos, e vou ter ao ponto de encontro com o resto do grupo.

Enquanto caminho e olho para aquela paisagem maravilhosa sinto-me feliz, pela tarde, pela forma como as pessoas me receberam, pela preciosa ajuda da Amália, pela pulseirinha da D. Conceição, e por todos os abraços e sorrisos que fui recebendo ao longo daquela tarde e que me vão tornando mais enriquecida, mais consciente, mais atenta, e, especialmente mais grata pela vida de todas estas pessoas que cruzam a minha de formas tão diferentes mas tão boas e tão cheias de alegria e generosidade.

No final da tarde, já no regresso a casa sinto que tudo faz sentido, e trago a esperança de que posso ser um bocadinho melhor, com estes pequenos presentes que vou recebendo ao longo da minha vida, e dou graças por isso!

Sara Gonçalves | Aldeia de Basseiros

sábado, março 14, 2009

2ª Crónica das Famílias - Fevereiro de 2009

Com um ligeiro atraso, continuo o caminho lançado pela Raquel, com o arranque deste novo ano, de darmos a conhecer um pouco mais o que faSemos nas Famílias.
Estamos a “apadrinhar” 5 casos, com novas voluntárias a começarem a dar os primeiros passos em todos eles. O apadrinhamento é o nome que damos ao acompanhamento que fazemos dos novos voluntários, quer seja para começar casos novos (dois neste momento), quer seja para melhor ajudar o caso em questão, quer para fazer transição entre pessoas que acompanham um caso.
Este é o relato de um caso com alto e baixos, com momentos de passos em frente e alegrias e também passos atrás e desilusões, acompanhando o Paulo (nome fictício) na sua luta para reconstruir a sua vida.
Falemos então do Paulo, jovem de trinta e qualquer coisa anos, que a ronda dos Aliados conheceu junto ao Teatro S. João no Outono de 2006. Na altura falou-se apenas ao de leve (ainda mais que ainda não o conhecíamos) em desintoxicação, e ele não se mostrou reticente, ou evasivo como tantas vezes acontece, quando as pessoas ainda não se decidiram se querem tentar virar as costas à droga ou não.
Ficou o compromisso de recolher informação e ver em que poderíamos ajudar. No domingo seguinte, falou-se directamente com um técnico amigo do FAS (que é sempre uma grande ajuda) e marcou-se encontro para a manhã seguinte às 8h.
Assim começou este caso de Famílias, nesse dia em que o Paulo lá estava à espera nervoso e com receio. Passadas 4 horas saía do CAT integrado num programa de Metadona.
Nos primeiros tempos não se manteve contacto pois ainda demorou um mês e meio a arranjar um quarto, e por isso mudava sempre de local, a pensar na sua vida futura e que isso facilitaria a sua reintegração.
Passados alguns meses conseguiu uma primeira oportunidade de trabalho, mas que não se manteve durante muito tempo.
Após algum tempo reataram-se os laços com a família, em que o voluntário que o acompanha foi com ele visitar a família, foi um passo importante!
Comemorou-se o aniversário do Paulo com um coração cheio, pela primeira vez desde alguns anos, fora da rua.
Mais tarde entrou uma nova voluntária para ajudar neste caso, diminuindo os tempos de solidão profunda do Paulo que estava longe da família e sem qualquer apoio, sem ser o da Segurança Social e o do FAS.
Depois apareceu uma segunda oportunidade de trabalho e parecia que o céu era o limite! Mas durou pouco… Sete semanas mais tarde voltava-se à procura de trabalho, e o pior momento foi quando um mês mais tarde, umas confusões com as pessoas de onde dormia o fizeram voltar a dormir na rua, o seu pior pesadelo! Em dois meses, foi-se da grande alegria pelo Paulo à angústia profunda… Muitos telefonemas e conversas depois, apareceu um novo quarto um mês mais tarde.
A morte de um familiar com quem tinha uma ligação forte foi outro momento difícil e que lentamente provocou uma mudança, surgiu a vontade de internamento prolongado para desintoxicação e o mesmo 3 meses depois foi aprovado…
E… a história pára aqui, aguarda-se os próximos passos, com muita esperança!
Os dois voluntários empenham-se muito neste caso já com história, criando uma rede de contactos habituais com as pessoas com quem o Paulo interage, isso ajuda muito e é muito importante em alturas difíceis. Assim são pivots de ajuda e um pouco de família.
Já ajudaram em mudanças de quarto umas quatro vezes e assistiram a conquista e a perda de dois empregos, e continuam a acreditar no Paulo e a querer estar lá, para o que der e vier.
Jorge Mayer (subcoordenação Famílias)