terça-feira, fevereiro 14, 2006

1ª Crónica de 12.02.06 (Areosa)


"Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa,
fazei tudo para glória de Deus. Portai-vos de modo que não deis escândalo,
nem aos judeus, nem aos gentios, nem à Igreja de Deus. Fazei como eu, que
em tudo procuro agradar a todos, não procurando o meu próprio proveito mas
o de muitos, a fim de que se possam salvar. Sede imitadores meus, como eu o
sou de Cristo." 1 Cor 10,31-11,1.

Esta foi a oração inicial que serviu de oração para a nossa missão.
Reforçámos os sacos com os patrocínios das pastelarias e fomos buscar umas
garrafas de guaraná ao Creu. Éramos poucos: As equipas tiveram que ser
compostas. A equipa da Areosa estava reduzida a dois elementos: Eu e a
Joana. Juntaram-se-nos a Mónica e o Carlos. Partimos.

Havia um novo sem-abrigo: A Joana tinha estado com ele e combinado à porta
da Blockbuster das Antas, entre as onze e as onze e meia. Dirigimo-nos,
mais uma vez sem encontrar ninguém, ao Cat Oriental. Seguimos, então, para
o referido clube de vídeo e lá estava o sr. P., como combinado. O sr. P.
além de toxicodependente, é sero-positivo, tem/teve hepatite A e B, bem
como uma pneumonia há pouco tempo. Dorme na rua, quando encontra um
cobertor
bom, ou na casa abandonada ao pé da igreja de S. Crispim, na rua de Santos
Pousada. (Há bastante gente a dormir lá, segundo nos indicou, mas que se
deita tarde, o que explica a frustração das nossas tentativas em falar com
alguém.) Enquanto se deliciava com o pedaço de pão doce e com o café com
leite que lhe oferecemos ("Sou muito guloso e isto está bom de açúcar!",
dizia), o sr. P. contou-nos um pedaço da história da vida dele. É de
Sintra; Foi criado longe dos irmãos e dos pais; Ficou pelo norte depois de
regressar do estrangeiro onde apanhou fruta; Ía hoje ao Hospital do Conde
de Ferreira para iniciar um tratamento de desintoxicação, no âmbito do
"Porto Feliz". Ele é muito simpático e educado. Tem 38 anos. Foi muito bom
falar com ele.

Esforço seguinte: Chegar cedo ao sr. M. Ele tínha-nos escorraçado na ronda
anterior, pelo que estávamos sem saber o que nos esperava. Inicialmente o
sr. M. não respondeu aos nossos apelos. O pior que receávamos, parecia
estar-se a concretizar: O sr. M. tinha-se desinteressado completamente das
nossas visitas... Fomos até ao sr. J. e não o vimos no seu "loft". Nos
colchões ao lado dormia alguém que pensávamos ser o P. Dissémos-lhe que
estávamos a deixar um saco de comida e uma garrafa de guaraná e regressámos
ao pé do sr. Mário. Voltámos a chamá-lo e nada! Desanimámos por completo...
Decidimos ir à D. I. e depois voltar. Quando regressávamos ao carro, o sr.
M. tira a cabeça de fora dos cobertores, ainda a dormir em pé. "Sr. M.!" _
Gritámos todos. Estava a ouvir a R. C. Português que estava a passar
António Variações e não se tinha apercebido dos nossos apelos. Abanou a
cabeça daquela forma vigorosa e fez um esforço para despertar. Enquanto
conversávamos explicou-nos que o P. tinha ocupado o "loft" do sr. J.
enquanto este tinha estado uns dias a dormir em casa de um amigo. E que o
sr. J. era a pessoa que estava a dormir nos colchões ao pé. Voltámos lá e
conversámos um pouco, também, com ele. Disse que tinha estado a trabalhar
uns dias em Lisboa e que hoje ia voltar para o sapateiro.

Quando, no carro, nos preparávamos para arrancar em direcção à D. Isaura,
eis que ela surge na penumbra da Areosa, qual D. Sebastião. Tinha ido
cravar um cigarro a um vigilante de um prédio perto e ía à bomba de
gasolina lá perto buscar coisas para a agasalharem de noite. Foi uma visita
rápida, esta com a D. Isaura. O cravo do lábio já tinha caído. Aliás já
estava quase sem ele no Domingo anterior. Esperemos que não volte a
desenvolver aquilo, tão cedo.

Paragem seguinte: Prédio da Fernão de Magalhães. Foi muito interessante
esta paragem: Fartámo-nos de aprender. O Carlos esteve a falar com o sr. J.
sobre a história do prédio, da sua contrução e legalização. Está a ser
vedado com taipais novos, para evitar a entrada de crianças que passem. No
entanto os sem-abrigo não terão que o abandonar, pois vai ser mantida uma
passagem. Por outro lado eu falava com o sr. T. e o sr. Ti. Este foi a
primeira vez que apareceu. Trabalham os dois para feirantes de etnia cigana
que moram no Bairro de Contumil, depois de terem saído dos blocos
destruídos do Bairro de S. João de Deus. Explicaram aquilo que faziam e
descreveram o modus vivendi dos patrões. Também desceu o N. Pediu para lhe
enchermos uma garrafa de água que trazia, com café com leite para levar à
T. que estava doente, lá em cima. Um silêncio sepulcral instalou-se! Eu e a
Joana não queríamos acreditar no que ouvíamos: A T. tinha voltado e
abandonado novamente as filhas. A Joana esteve a falar a sós com o N. Este
explicou-lhe que a T. estava sem consumir e que tinha vindo para o Porto
para ser internada: Estava tudo a correr bem.

Acabámos com a oração final e o OBRIGADO da Mónica, à porta da Sr.ª de
Fátima.

Abraços para todos, principalmente para os doentes da minha ronda que não
puderam ir ontem. As melhoras!

Nuno de Sacadura Botte

4 comentários:

Anónimo disse...

jorge, será que dava para dar um jeito na paginação dos teus posts? leio todas as crónicas publicadas por ti com uma formatação que torna as torna longuíssimas e desconfortáveis de ler.. obrigado. até quinta. um abraço, carlos.

Anónimo disse...

Nuno, nesta noite de S.Valentim, vim namorar com o blog fasrondas e recebi, com agrado, o chocolate da tua crónica!

Anónimo disse...

Mais uma vez li com agrado este relato que me veio alargar a visão que tinha das pessoas sem-abrigo do Porto. Afinal são mais que as que se mostram habitualmente nas ruas!... Infelizmente!

Estou habituado a conhecer os meandros da zona centro e ocidental da cidade e um pouco da Areosa. Pelo que demonstram aqui há mais "Carregais" desse lado...

Continuem, Amigos, que a vossa e nossa tarefas ainda só estão no princípio!

Parabéns. Com o meu muito obrigado pela lição de hoje deixo-vos o meu sincero abraço.

Carlos (G.O.A.)

Anónimo disse...

Muito bem Nuno=)..obrigado pela partilha!!beijinho**