segunda-feira, maio 01, 2006

Crónica de 23.4.06 (Batalha)

A noite estava morna, a Primavera tinha-se esmerado nesse dia…
Quando cheguei ao ponto de partida já quase todas as rondas estavam a partir atarefadas para os seus pontos de chegada…
A Francisca, a Inês, o Jorge M., a Manela, (que mais tarde se nos juntou), e eu formámos um grupo…e lá fomos à busca dos nossos rostos da noite!
A nossa 1ª paragem foi no sr D. (r. de Sta. Catarina). Dormia profundamente: de lado-como uma criança...Apenas o rosto o denunciava: aquela pele de linhas ondulantes como as ondas do mar ou como quem já percorreu muitas ruas concentrando-se ali para alertar: “Vejam as viagens que eu já fiz ainda que nunca fale disso!”
O sr D., como era compreensível, mal conseguiu abrir os olhos para aceitar as meias e o saco que lhe deram!
A nossa 2ª visita foi ao sr X. (Trindade). Encontrámo-lo efusivo e falador (estaria abençoado pelos seus deuses ou demónios?). Recebe-nos sempre com um “Passou bem”. É estranho, (ou não), como do seu mundo ilusório ele consegue sair e construir estes pequenos elos de ligação com o mundo “real”.
Perguntou-nos, repetidamente, por entre um matagal de palavras e frases incompreensíveis, se conhecíamos o Mick Jagger ou visto um homem que costumava usar óculos…
Num determinado momento da visita, travou-se uma conversa paralela entre duas pessoas da equipa. Ele desviou o olhar do meu, levantou o rosto e fixou-o, longamente, no delas, como se dissesse: “Que assunto será assim tão importante?” (Afinal, a coisa mais antiga do mundo é…a curiosidade!!
Houve, ainda, uma altura em que lhe disse: “A minha mãe também é angolana, é da sua terra!” O Sol (emprestado) que tinha na cara desapareceu, de repente, debaixo de um tapete qualquer…Cravou os seus olhos, amendoados, nos meus, num segundo que concentrou uma eternidade, não chorada, de muita tensão…Seria o olhar da saudade?
Talvez a lucidez seja um demónio para o sr X….
A seguir, dirigimo-nos para a zona do Lusitano. Pela 3ª vez, encontrámos o P. que quer sair da droga e espera contar com a ajuda de amigos particulares porque, no seu ponto de vista, algumas instituições do Estado não funcionam… “ Mas não vale a pena se não tiver uma mulher à minha espera!”; e lá nos contou, contente, por ter tanta gente a ouvi-lo que tinha afastado, à paulada, um grupo de rapazes que estava a assaltar e a bater numa jovem , que, numa dessa noites, havia passado aí perto. “Agora, vêm dar-me de comer e isto está quase a dar em casamento!”. O Colega (H.), que estava ao lado, não era o mesmo da semana anterior (contou que o irmão o iniciou nestas lides, era quem o drogava…).
Depois, divertiram-se a ver o que tinham dentro dos sacos e a trocar entre si o aí havia (pareciam crianças traquinas a tentar brincar connosco como sabiam e podiam pelo simples facto de estarmos todos juntos…).
A nossa última paragem foi em Lordelo, juntámo-nos à ronda do Fernando para fazermos em conjunto a oração final. Eu sentia a falta de dar as mãos às pessoas nesse momento (é como se as abraçasse com muita força e elas a mim…). Embaraçada, avisei a pessoa do lado que tinha as minhas mãos besuntadas com leite e café…Ela respondeu com cumplicidade: “As minhas também estão sujas!”
E ali ficámos numa longa roda, de mãos apertadas com muita intensidade, (que delícia), num abraço gigante…Aqui, e acolá, ouvia-se uma voz: “Quem faz a oração?”. Resposta: ouvidos de mercador…Eh eh! Durante alguns minutos: vimos sorrisos rasgados, pessoas com luzes nos olhares a conversarem, a alto e bom som, com a pessoa do lado, havia frescura a pairar no ar…
Descansem…A oração acabou por fazer-se: a Primavera da Vida cantou dentro de nós!

Mónica Claro

2 comentários:

jb disse...

Gostei muito, Mónica, a crónica está muito bonita!
Tens que continuar a investir no senhor X. É mesmo muito bom conseguires descodificar o que ele diz, fazeres com que ele se abra. Talvez façamos com que tome um banho (vamos pensar numa estratégia?).
Parabéns, por tudo.

Anónimo disse...

Olá, bonita partilha! :)

Tanto o sr D e o sr X precisam da nossa atenção para tentarmos ganhar ainda mais a sua confiança e assim dar o apoio que precisam. Estamos a conseguir aproximar-nos mais, e é bom não deixarmos fugir esta onda mais positiva.

Beijinhos e obrigada Mónica,
Manela