quinta-feira, março 15, 2007

Crónica da ronda de 11/03/2007 (6º trajecto)

Havia muito não estávamos juntos, todos, arrancámos no carro da Gabriela (em estreia na pilotagem) cheio como um ovo. O J esperáva-nos como sempre a dormitar. Enquanto comia o que lhe levámos conversou um pouco e ouviu as nossas conversas quando lhe convinha o silêncio. Apareceram também o T e outros dois senhores que têm vindo buscar o saco, sempre atarefados na arrumação dos carros. Aos poucos vamos percebendo em que podemos ajudar apesar da conversa fugidia. No caso do T já era o nosso segundo contacto. Embora o último tivesse sido há algum tempo ainda se lembrava de nós. Mostrou algum interesse em avançar com um tratamento apoiado por conhecidos nossos, com algumas garantias de celeridade processual e assistência social competente. Uma semana para “dormir” sobre o assunto, confirmar certezas.
A paragem seguinte costuma ser rápida, e também o foi desta vez, mas houve tempo para o primeiro diálogo (?) com o senhor que debaixo dos cobertores disparava respostas às nossas tentativas de ajuda. Uma mistura de bom e mau humor com o último a prevalecer – e com isso a nossa desistência. Um pouco acima outro sem-abrigo dormia profundamente de barriga para cima, destapada, um pouco à mostra até, esticado e com ar de bebido. Não valia a pena acordar, o diálogo seria difícil de qualquer maneira…
Avançámos para visitar o senhor J que desta vez não quis a nossa companhia. Pediu-nos desculpa porque escutava na rádio José Paiva Netto (Presidente da Legião da Boa Vontade) por quem tem uma imensa admiração, e não podia, por isso, atender-nos. Respeitámos o seu momento e seguimos.
Desta vez juntámo-nos à ronda do Bonfim para lhes entregar roupa que fazia falta. Acabámos por nos encontrar com os sem-abrigo que eles visitam e, como não éramos mais voluntários que sem-abrigo, ficámos à conversa. São momentos incríveis onde mais uma vez (e infelizmente) confirmamos a fragilidade de qualquer vida, incluindo a de cada um de nós, e como a vida sem tecto está tão próxima da que temos. É constrangedora a missão de dizer algo reconfortante a alguém mais velho, mais culto, mais experiente depois de, no seu perfeito juízo, nos contar a mirabolante história da sua vinda para a rua. Só um gesto físico como um abraço ou um olhar nos pode servir. Algo simples mas sincero, com o silêncio que se impõe nos gestos profundos, quando todas as palavras são desajustadas.

1 comentário:

Anónimo disse...

gostei d crónica, obg!