terça-feira, julho 24, 2007

Crónica da ronda de 22/07/2007 (6º trajecto)

A ronda começou com a habitual visita à Dona H. O ambiente em casa da Dona H. tem vindo a ficar cada vez mais tenso, mas nunca pensámos que pudesse chegar ao ponto de a própria se recusar a falar connosco. Estava deitada na cama, enviesada e pouco coberta, tinha os braços cruzados atrás da cabeça e a boca fechada. Para nossa aflição não disse uma única palavra. Ia respondendo com acenos da cabeça, mas pouco expressivos - e assim pouco comprometedores, talvez. A nossa presença é cada vez menos bem vinda ali, mas não por sua vontade. Tentaremos ajudar de outra maneira, a que lhe for menos prejudicial…
O Sr. V já dormia. Acordou sobressaltado, mas rapidamente compôs o sorriso e começou a conversa. Queixou-se de dores num pé bastante infectado, como fez questão de nos mostrar. Confirmei hoje que é um caso acompanhado pelos Médicos do Mundo, será, portanto, visitado ainda hoje. Continuámos para a ponte, mas não encontrámos o VP. Deixámos os sacos, para ele e para o amigo, e seguimos. Voltámos a encontrar o senhor que mais uma vez não acordou - deixamos sempre o saco, ignorando o que pensará daquele solitário gesto.
Voltámos a encontrar o Sr. JA e também o amigo que, apesar de já ter conseguido um quarto, ficou lá a fazer-lhe companhia, naquela noite. Disse-nos que continua a trabalhar e que no fim do mês terá dinheiro para ir para um quarto também.
A noite estava muito chuvosa e o vento também marcava presença. Talvez por isso o A já estivesse no seu lugar, abrigado. Agradeceu muito o cobertor que o Raul levou mas despachou-nos rapidamente. Percebemos depois que se preparava para consumir. Mais à frente, nos semáforos, estava o JA. Tinha a cara do desespero por um tratamento a metadona, com entrada o mais rapidamente possível. Demos-lhe os dados de quem sabemos poder ajudá-lo num CAT. Propus-me acompanhá-lo, mas como o encontro seria cedo, a vontade quase desapareceu, propondo o próprio ir sozinho. Muitas vezes o rosto contorcido e lacrimoso de mendigo convincente, transforma-se tão rapidamente que toda a astúcia se revela. Vamos levando uns truques no bolso, para perceberem que não precisam mentir para os ajudarmos – ainda que os ajudemos mesmo quando mentem.
O grupo que habitualmente finaliza a ronda apareceu em peso ao nosso encontro. Umas caras novas, outras de regresso, como o D que continua com o seu projecto jornalístico, recolhendo ainda alguns apoios para que nada falhe. Conversámos mais com o ZM, queixava-se que lhe tinham aumentado a dose de metadona e como isso lhe dava sono! Prometemos no próximo Domingo conversar mais com o A, que dorme com eles, mas só naquela noite apareceu ali.
Fomos ainda tentar uma nova paragem, mas só encontrámos cobertores. Deixámos o último saco e voltámos ao CREU enquanto comíamos os últimos pedaços da nossa confessa dependência (em formato tablete) que a Joana tão amavelmente levou.

João

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