sexta-feira, março 03, 2006

2ª Crónica da Ronda de 26/2/2006 (Batalha)

Neste último domingo, após a oração feita pelo Pedro, que nos fez pensar que cada um de nós pode ser uma carta viva de Amor fraterno enviada às pessoas de quem vamos ao encontro, partimos em direcção à r. de Alexandre Herculano.
Na “Vivenda Silva”, conhecemos o F.. Dormia profundamente, embrulhado numa simples manta de algodão e no frio cortante que emanava daquele chão de mármore! É estranho mas o café com leite quente não o cativou.
De um modo natural e afável abriu-nos as portas do seu Eu: “Tenho família mas é como se não tivesse!”; “Trabalho num restaurante: lavo pratos, descasco cenouras, batatas…”; “O que ganho não chega para pagar um quarto!”
Conhecemos, ainda, o sr S., a musicalidade da sua pronúncia transportou-nos para Angola e a sua experiência de vida para os seus desgostos de amor que, em tempos, encontraram consolo no afago da bebida. “Deixei a minha casa e fui para um quarto porque tudo me fazia lembrar aquela relação que não resultou e quando chegava a noite eu não aguentava!”; “Não tive amigos que me ouvissem!”
Por lá, voltou a aparecer o M.. Tem 31 anos anos (misturados com um jeito de puto reguila) e um sorriso desdentado, que não agarra as gargalhadas que dispara e cuja coreografia não se coaduna com as unhas que rói na totalidade…como se lhas tivessem arrancado numa sessão de tortura… O M. dorme num quarto pago pela Assistência Social, vai regularmente ao hospital Magalhães Lemos e está incapacitado para trabalhar…
Os brinquinhos reluzentes da dona R., a contrastarem com o seu longo cabelo negro, não deixaram de marcar presença! Veio, como sempre, acompanhada pelo seu genro. Esta senhora sabe o que quer: é chegar e exigir o saco e café com leite! “Por favor” e “Obrigada” são palavras “Gone with the wind”! Já o seu genro não poderia ser mais diferente dela (embora esta não o pinte com cores suaves!! Aiiii, madre! Será mesmo verdade o que dizem das sogras?!).
Falámos, também, com o sr P. G., dono de uns olhos azuis, enormes que se destacavam naquele vulto alto, em que já só existia pele sobre os ossos…É toxicodependente, tem HIV há muitos anos! Disse-nos a sua idade e com orgulho revelou que já era avô! Perante a nossa cara de espanto logo explicou: “Casei-me aos 15 anos! Sou mais velho que a minha mulher 30 minutos!”.
Quando estávamos quase a partir o F. e o N. vieram ter connosco! O 1.º tem 20 e poucos anos, sorriso fácil, malandro, senso de humor! Protege o amigo, que é deficiente físico e alcoólico, impedindo que o gozem ou lhe batam .“Eu até aprendi técnicas de defesa pessoal!”. Aquele vive numa casa alugada pelo pai e gostaria de estudar Engenharia Mecânica…O que fará neste momento?
Depois de nos cruzarmos com este mar de gente rumámos à r. 31 de Janeiro. Como prevíamos já não estava, aí, a dupla A. & A.: um caso de lealdade à prova de bala! A Segurança Social deve ter-lhes arranjado o tal quarto!
Por fim, parámos nos Congregados: o sr O., arrumador, pessoa de poucas palavras e, por vezes, tempestuoso, estava sereno. Bebeu o seu café e rapidamente voltou ao seu negócio.
O nosso 2º. Sem- abrigo da noite foi o sr P.: um brinde de uma imensa candura concentrada nuns olhos azuis, resignados e dignos, que falaram uma linguagem de uma contínua gratidão face à nossa presença e ao pouco que lhe demos. “Vim trabalhar, há vários anos, para Portugal…Estava apaixonado por uma portuguesa que fugiu com o meu ex-patrão. Era rico. Eu não!”
Voltámos a ver o sr P., (estava animado), que vivia numas escadas do Silo-Alto com o Sr R.. Ocuparam uma casa, na qual, entram com muito cuidado para que os vizinhos não os denunciem.
O V. veio fazer-nos uma curta visita: chegou como uma flecha junto de nós! Engoliu num ápice o café. “Eu sou médium, mas estou só no começo!” E lá partiu mais rápido que o Super-Homem e qual bailarino a desenhar circunferências no ar!
Por aqui terminámos a nossa ronda em conjunto com a do Bonfim que, entretanto, se nos tinha juntado! O Diogo faz a oração final, plena de esperança…O sr P., o ternurento sem-abrigo estrangeiro, também precisou deste conforto…no entanto, reparem nisto: mesmo antes de a começarmos um jovem aproximou-se do nosso círculo para pedir alguma coisa. “Depois da oração”, dissemos. “Também quero participar!”, retorquiu, sem margem para dúvidas! Quando sentiu que podia falar as suas palavras jorraram fervor e lucidez! “Senhor, que o meu filho não caia no mesmo caminho que eu!”

Mónica Claro

2 comentários:

Anónimo disse...

Bonito! Obrigada pela partilha.. Bjs Manela

Anónimo disse...

LINDAAAAAAA!!!!!!!