Às vezes também nos reunimos à volta da despedida. A Ana vai para os Açores por algum tempo. A Inês para S. Tomé, por menos. Há o início de uma saudade, um fermento que fica e que vai, continuando a sua construção, agora mais distante.
Começamos com uma surpresa, o Sr. Ans de C. apareceu enquanto faziamos os sacos. Justificou prontamente a sua presença, não queria voltar a encarar o Sr. A (também de C.) devido a uma discussão por causa de umas sapatilhas de senhora... Os contornos ridículos da questão não nos impediram de o avisar que não voltasse ali, já que para além de nos atrapalhar a logística, não tinhamos disponibilidade para conversar tanto - e sobretudo por nos parecer um drama demasiado infantil para alguém de 50 anos. Concordou. Ainda o convidamos para a oração, mas surgiu-lhe uma pressa súbita que o levou a correr rua acima...
Como demorámos a sair (mais do que o habitual) decidimos ir directamente a C. Só encontrámos o Sr. A sem a sua habitual companhia. Contou-nos por alto a segunda versão da zanga, garantindo-nos que por ele estava tudo bem. Sempre de poucas falas despediu-se rapidamente e como mais ninguém aparecesse, seguimos nós também.
Fomos ao que costuma ser a primeira paragem mas o sr JC já dormia, não tivemos coragem de acordar. Deixamos um saco bem recheado com uma bebida de litro por causa do calor.
Depois voltamos a encontrar o sr E, sempre deitado debaixo dos cobertores e desta vez sozinho. Disse-nos que o M (o mais alto) fora tentar uma desintoxicação com o apoio da família.
Fomos a uma nova paragem e encontramos dois rapazes, um deles (o P.) era o que nos tinha falado do sítio onde dormem. Pouco falamos, deixamos dois sacos. O outro já dormia. Vamos tentar conhecê-los melhor da próxima vez.
Na última paragem algumas surpresas à espera. Primeiro conhecemos o sr. JF, alcoólico e com problemas judiciais que o impedem de ter documentos e pensar num tratamento. Depois o sr. JM, também alcoólico e ali bastante alcoolizado. Era a terceira noite que passa na rua depois de ter cessado o apoio social que lhe permitia ficar num quarto. Chorava que nem um desalmado enquanto nos contava o seu drama e abraçou-nos quando nos despedimos.Quando estávamos com o habitual sr. F ainda surgiram um grupo de homens de leste do qual só um sabia falar um pouco Português. Percebemos que queriam um medicamento para um deles que tinha uma doença numa perna. Tentamos encaminhar para uma farmácia ou para os Médicos do Mundo, mas entre explicações e traduções chegou uma carrinha que levou o nosso intérprete (que não pertencia ao grupo do rapaz queixoso) para o local de trabalho do dia seguinte e a conversa acabou. Os outros agradeceram muito, pareceu-nos terem percebido a nossa intenção de ajudar.
Que a semana nos mostre que a paz dos nossos dias é valiosa demais para a proporção que damos a muitos dos nossos problemas.
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