Retomemos então as noites de Domingo, as incríveis noites de Domingo, que por serem assim, afastadas do dia, nos aparecem, tantas vezes, distantes da realidade comum.
Espanha acabava de ganhar no futebol, aos poucos chegávamos e começávamos a preparar os sacos. Rezamos juntos e pouco depois seguimos para o sítio do Sr. JC. Já dormitava quando chegamos mas pôs-se a pé num ápice e com a sua natural simpatia começou a inevitável conversa sobre o a final do europeu. Aguarda a próxima entrevista na segurança social, mas a esperança de vir a ter um quarto é pouca. O verão faz com que vá aguentando a bronquite e espantando a solidão com as cartas batidas durante as tardes de S. Lázaro. Temos reparado que, mal saimos, come imediatamente o que lhe deixamos.
Seguimos ao encontro do nossos amigos de C. De entre todos (o Sr. A e o amigo A, o J, a. AM e o amigo A) a AM era a mais espirituosa, e naquela noite estava particularmente inspirada. A ânsia pelos dias quentes, que entretanto chegaram, acumulava a necessidade de extravazar tristezas, de tomar um banho de mar, outro de sol, e limpar as angústias que a chuva insistia em manter. Foi esse o testemunho que ela nos deu: por detrás do bronze apurado irradiava felicidade naquela vaidade tão feminina, pontuando o momento de provocações meio eróticas a propósito de um cigarro cravado ao Sr. A. Só pudemos rir juntos naquela cumplicidade que também a nós nos alenta.
Depois estivemos com o Sr. E que já se embrulhava nos cobertores preparando o sono. Desta vez falhamos na camisa azul que nos pediu, mas pudemos compensar com uma de outra cor e ainda uma t-shirt. Entretanto chegava o M (o mais alto). Vinha sozinho e foi pena ver que continua a arrastar o seu ar pesaroso pelas ruas, ainda sem força para assumir o compromisso de um tratamento. Não quis conversar muito, recolheu ao seu espaço, meio envergonhado, meio triste.
Na última paragem o Sr. F estava, como sempre, mergulhado no seu plástico negro, numa camuflagem que tantas vezes nos faz duvidar da sua presença. Chamamos por ele e logo destapou a cabeça, olhando com aquele ar malandro de quem (ele garante) nunca dorme. Estava mais sossegado desta vez, pouco falou, apenas concordava com o que diziamos. A conversa foi curta e desta vez sem estórias mirabulantes e difíceis de acreditar. Nem sempre se resiste á melancolia e é inevitável sucumbir-se ao silêncio e á escuta, como se fosse importante por vezes lembrar-nos a dureza da vida na rua. Pouco depois cobriu-se novamente enquanto voltávamos ao carro. E assim terminava a ronda.
Vamos continuar trazer as noites de Domingo, vamos continuar a traze-las à luz do dia, o luminoso dia de sermos todos feitos do mesmo sopro.
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