Na partida estavamos muitos reunidos, com convidados e em amizade. Foi um retrato que me marcou ao fim destes mais de 3 anos a fazer rondas, sempre a partir do mesmo local, sempre o mesmo espírito.
Partimos a Benedita, o Rui, a Ana e eu ao encontro do Sr. R, lá estava no relvado a dormir sobre a terra, estava bom e a pensar num futuro, de um quarto a 18 contos/mês (a este preço longe do Porto) e um passe da CP para lá chegar e no seu rendimento mínimo que poderia ser posto numa transformação de vida. Num quarto com porta em vez do jardim, numa cama quente, em vez da terra fria e húmida e numa persiana, em vez do candeiro sempre amarelo, sem medos, sem sobressaltos e noites sem dormir. Deixamos-lhe esperança e tentamos com o coração e a razão levá-lo a para lá ir, pois lá também o visitaremos.
Em seguida a D. F, com a sua habitual rabugice, consegui adicionar mais uma frase inesquecível ao rol de guardamos:
"Eles que me chateiem, eu vou a Lisboa, apresento queixa e tiro-os do poder!" à qual se juntou o já conhecida "eles têm a informação toda, eu dei-lhes os nomes do cães e os nossos, por isso é só esperar pela casa!". Mais uma vez tentamos que ela melhore o estado de arrumação do estaminé pois qualquer dia vai ser motivo de problemas... O dragão aguardava a sua festinha da noite dada pela sua princesa... O Sr. V não estava por lá.
Encontramos no multibanco o Sr. Z, já não o víamos há muito, estava bom, os MDM passaram por lá a dar-lhe uma ajuda com as unhas, falou-nos da dificuldade de comer sem dentadura, que outros têm. "Se houvessse um quarto a esse preço [90€] eu ia!"
Em seguida recebemos mais uma mesinha no "nosso curandeiro": "3 banhos de água do mar e um de jasmim, mas sem tomar quaklquer outro banho! e isso passa tudo". Falou-nos da horas abertas, aquelas em que os vivos e os mortos se juntam para atazanar uma pessoa, são entre as 3h e as 4h e das 14 às 15h... Estava bom, apesar desta semana não ter recebido comida na instituição que todas as semanas o ajuda. A mulher duvidou dele por chegar a casa sem nada. O sorriso dele e as conversas cada vez mais soltas e prolongadas mostram uma relação que existe.
Vimos a correr o R, que ia em trânsito e que pela 6ª ou 7ª vez marcou uma ida ao CAT, tem estado a dormir numa casa, numa cama!! a servir de guarda.
Subimos e fomos saber da P, mas ela não estava lá (agora arranjou um quarto, será que ainda o tem?). Encontramos um rapaz novo, que recaiu há pouco e não sabe como voltar a endireitar a vida, demos-lhe o folheto, pode ser que nele esteja a resposta. Desejou que já não o encontrassemos na próxima semana. Aqui está um desejo genuíno e ao mesmo tempo paradoxal, não queremos ver as pessoas na rua e quando não as vemos ficamos preocupados com elas, onde andarão? Às vezes não acontece assim, sabemos onde estão e ficamos felizes por não as vermos.
A polícia estava por lá, como tem acontecido nos últimos tempos, e por isso não encontramos mais ninguém, excepto o nosso sr. A, que estava contente, os filhos parecem cada vez mais "encarreirar" na faculdade e em formação/trabalho.
Terminamos tarde, com a partilha de mais uma noite ao encontro das pessoas que a rua prende.
Jorge
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