quarta-feira, setembro 06, 2006

Crónica da ronda de 3/9/2006 (Batalha + 6º trajecto)

É bom regressar. É muito bom, às noites de domingo. Como se fosse bom voltar à miséria - mas se não amigos, o que fazemos nós nestas horas nocturnas?
Na inicial “vivenda” muitas caras à espera. Entre elas a do televisivo Sr F feita em ponto de cruz preto, uma lástima que o sorriso infantil escondia. Outros observavam-nos os gestos, na atenta distância o esforço, contrariando o vinho, ao som de fados improvisados pela nova Dona H, já pouco suportáveis... Também lá estava o J, agora repousa por ali. Recuperou o peso e o ânimo, anunciou, como que a pedir que entrássemos em cena rumo ao futuro. “O vinho parece azeite”, o milagre na confissão de cara torcida, a imunidade aos “buracos” que o rodeiam imprime urgência à nossa volta.
Já era tarde e não encontrámos o Sr. Z C nem a cadela.
Mais à frente: ao lado do P dormia o Sr E, de volta àquele sítio. Rapidamente enxotados pelo primeiro, nem tempo tivemos de tentar acordar o Sr E. E quereria ele acordar? Ficámos os melhores amigos nas despedidas, porque desconhecemos a crueldade de alguns reencontros. Prefiro estar errado. A amizade continua, pelo menos do lado de cá.
A G irradiava felicidade: receberá esta semana o rendimento mínimo. Prometeu avisar se entretanto fosse para um quarto; queremos visitá-la, precisamos dela, embora não o saiba.
O Sr. F estava novamente cabisbaixo, mergulhado nos seus símbolos, educadamente pediu que nos retirássemos. A sobriedade permite a doença. A alternativa não ajuda à comunicação. Complicado…
O Sr D já dormia e tenho dúvidas que mesmo durante a conversa tenha acordado. Alguns pedidos de roupa bocejantes e o ronco tomava outra vez conta do homem.
No fim da noite de estreia da Gabriela lemos uma parte de um poema do José Tolentino Mendonça. Continua a ser bom desenhar círculos, fechá-los assim, aos Domingos à noite. Até já.


O esterco do mundo


Tenho amigos que rezam a Simone Weil
Há muitos anos que reparo em Flannery O’Connor

Rezar deve ser como essas coisas
que dizemos a alguém que dorme
temos e não temos esperança alguma
só a beleza pode descer para salvar-nos
quando as barreiras levantadas
permitirem
às imagens, aos ruídos, aos espúrios sedimentos
integrar o magnífico cortejo sobre os escombros

Os orantes são mendigos de última hora
remexem profundamente através do vazio
até que neles
o vazio deflagre

São Paulo explica-o na Primeira Carta aos Coríntios,
«até agora somos o esterco do mundo»,
citação que Flannery trazia à cabeceira

1 comentário:

Anónimo disse...

Temos escritor! :)
A crónica transmite bem a noite por nós partilhada. Sinceramente desejo que consigamos marcar estes nossos amigos da mesmo forma que eles nos marcam a nós!

Espero que a Gabriela se tenha sentido bem, e continue connosco nesta caminhada das noites de domingo!

«Rezar deve ser como essas coisas
que dizemos a alguém que dorme
temos e não temos esperança alguma»