terça-feira, janeiro 03, 2006

Crónica 01Janeiro2006 - Areosa

Mais uma vez nos encontrámos à porta da Igreja da N.ª S.ª de Fátima. Éramos poucos. Fizémos as equipes, o que deu um carro por ronda, e para a Areosa ficámos a São, o Pedro Cruz e eu. Começámos com a oração inicial liderada pelo Filipe que, simbolicamente, nos fez partir em missão.

A ronda da Areosa propôs-se começar pela Pç.ª D. João I. Não encontrámos ninguém, eventualmente por estarmos adiantados na hora, em relação ao costume. Seguimos para a Rua Gonçalo Cristovão, onde estivémos com o sr. D. Ele deve estar afastado de uma vida normal há mesmo muito tempo. Tivémos uma discussão enorme, pois considerava já terem passado dois dias desde o início do ano. Para ele um dia tem 12 horas. Foi muito difícil fazer-lhe ver que não. Mesmo assim não ficámos certos de que ele tenha ficado convencido. Pediu-nos botas, mas não estávamos prevenidos. O Pedro encaminhou-o para uma visita a uma instituição que à Quarta-Feira à tarde distribui roupa e calçado pelos mais necessitados.

A paragem seguinte foi com o C., na Rua de Camões que também dorme numas arcadas. O diálogo foi quase impossível: O C. costuma estar embriagado e fala uma lingua que talvez seja algum dialecto africano. Ficou um saco e os votos de bom ano.

Seguiu-se o edifício em construção da Av. Fernão de Magalhães. Três buzinadelas fortes e lá apareceu o sr. J.. Desta vez ainda não se tinha deitado. Estava bem vestido e barbeado e um aspecto asseado, não fosse aquela soadeira permanente na testa. Disse-nos que passa os dias por ali e que há pessoas que, conhecendo-o, lhe vão dando esmolas. Confidenciou-nos que tinha um propósito com a mulher dele para 2006: Vai falar com o Pe. Maia, o pároco da Areosa que desenvolve um excelente trabalho junto de alguns bairros sociais do Porto, designadamente o de S. João de Deus e o do Cerco do Porto e que, até há bem pouco tempo era o presidente das Instituições Particulares de Solidariedade Social. Parece-nos ser a pessoa ideal para dar alento ao que for que o casal quiser vir a fazer. Ainda houve tempo para partilhar connosco que, antes de ter esta vida, era arquitecto, como o Pedro.

Rumámos à Rotunda da Areosa. O sr. M. não reagiu à nossa chegada, ao nosso chamamento e à nossa "boa-noite". Fomos ter com o sr. J.. Acordou, disse-nos que já lá tinham estado umas raparigas muito simpáticas que lhe deixaram iogurtes líquidos, mas que também não tinham conseguido falar com o sr. M., pois ele as tinha escorraçado. Enquanto nos contava que estava a pensar ir para uma casa da Câmara Municipal do Porto, onde já tem um amigo num quarto, ainda esta semana, lá ao fundo levantava-se o sr. M., talvez um pouco enciumado. Contou-nos que tinha sido operado e lhe tinham acabado por lhe cortar o pé doente. Entretanto passa um toxicodepente que regressava do seu consumo no Bairro de S. João de Deus. Foi com ele que passámos os momentos mais fortes da noite: Estava nitidamente emocionado, revoltado, mas contente por se aperceber que aquilo que lhe tinham dito, de haver alguém a distribuir comida gratuitamente, sem pertencer a nenhuma instituição com esse objectivo, era verdade. A conversa foi muito pesada e o desespero do homem era grande. Dorme ao relento nos jardins do Hospital de São João, quando não se consegue introduzir na sala de espera das urgências. Ficou a ideia de tentar mais informação àcerca dos sem-abrigo daquele hospital, para tentarmos passar e parar lá.

Antes do "rendez-vous" final no Aleixo, faltáva-nos a simpática D. I. que dorme perto do Mercado da Areosa. Lá estava ela de olho nuns caixotes de cartão de electrodomésticos que lhe iam servir de abrigo naquela noite. Também ela estava entusiasmada com o novo ano. Ia falar com o Fernando, que nós conhecemos, com quem costuma estar no Bairro de S. João de Deus. A D. I. diz estar a pensar seriamente numa desintoxicação. Pedímos-lhe ajuda na identificação e localização dos tais sem-abrigo do hospital para a próxima ronda.

No Bairro do Aleixo encontrámos o sr. M. que por lá habita e já quer comandar as tropas... Muito nos alegrou foi a diferença de discurso do sr. P.. Das histórias tristes do passado profissional e familiar, passámos para a sua grande motivação: Está em vias de ser internado para uma desintoxicação, de acordo com as consultas que tem feito no CAT da Boavista.

As rondas começaram cedo e acabaram, também, cedo. Coube ao sr. Fernando do outro grupo fazer a oração final.

Parece-me que foi uma ronda exemplar: Pouca gente por ronda/equipa; início cedo; fim cedo; muitos sem-abrigo com passos importantes no sentido da mudança de vida. Deus queira que 2006 nos reserve muitas assim!

Bom ano para todos,

Nuno Sacadura

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