Partilhar a minha experiência enquanto voluntária do FASFamílias, foi o que me foi pedido. Fácil, pensei…até que, parei um pouco para reflectir sobre estes últimos três anos, assim mais consciente a tarefa assume outra dimensão.
Durante cerca de três anos acompanhámos uma pessoa que havia vivido na rua e em vários sítios dentro e fora do país. Após a saída da rua, aconteceram várias coisas muito boas, emprego, uma casa para ficar, aproximação da família, restabelecer laços, adquirir hábitos de trabalho, tudo corria maravilhosamente bem.
A perda do emprego despoletou um percurso inverso, mais duro pela perda de esperança que daí adveio, já que na subida se criaram muitas expectativas e sonhos, que se desmoronaram com a perda do trabalho, algo essencial na vida de alguém que está a reconstruir e traçar um novo rumo na sua vida.
Alguns meses depois acaba por arranjar novo trabalho, e com este regressa o ânimo, a alegria, a vontade de estar em sociedade, etc..
Têm sido assim estes três anos, muito cheios, de coisas menos boas mas também coisas muito boas, tantas que não cabem aqui nestas letras mas que cabem no nosso coração. Durante este tempo discordámos algumas vezes, aborrecemo-nos, mas também aconselhámos, apoiámos, rimos, conversámos. Mas, acima de tudo fizemos um esforço por respeitar a liberdade desta pessoa que aos poucos foi fazendo parte da nossa vida, e construindo o seu caminho com as suas escolhas. Felizmente, correu bem, já não fazemos falta como voluntárias, o nosso papel terminou. Agora somos mais duas pessoas na vida dele, a quem recorre quando quer dizer Olá como estás"; partilhar uma novidade…
Nós mantemo-nos deste lado, e ao lado, sempre à distância de um telefonema, esperando que este seu percurso seja mais fácil, menos duro e sobretudo com muito mais alegria.
Eu, enquanto voluntária fui aprendendo a calçar os sapatos do outro, é muito fácil dizer e pensar "Mas, como é que ele (a) não sabe calçar os sapatos, é básico?! Quando experimentamos, percebemos e sentimos que há toda uma experiência de vida completamente diferente da nossa que pode tornar tudo tão difícil e complicado. Não nos foram dados os mesmos instrumentos para calçar os sapatos.
Aprendi a respeitar um pouco mais a diferença, a ser mais tolerante, e a colocar-me no lugar do outro, e a percebi que muitas vezes a única coisa que posso fazer é "estar", eu, que às vezes me considero capaz de tudo, perante determinadas situações de vida apenas caminho ao lado, se a pessoa assim o quiser.
Ser voluntário (a) no FASFamílias é procurar alternativas, encontrar soluções, apoiar, aconselhar, mas por vezes, é preciso ter a humildade de perceber que nada podemos fazer, apenas ESTAR. E este "ESTAR" é fundamental na vida das pessoas que acompanhámos, porque muitas vezes é o único que têm.
Sara Gonçalves
Sem comentários:
Enviar um comentário