domingo, outubro 09, 2011

Crónica das Aldeias - 24.09.2011 (Crónica de um emigrante)

Prezados e mártires leitores:

Muito provavelmente estariam Vós à espera que começasse este mui pequeno excerto respeitante a algumas horas da minha vida com o facto de nos termos encontrado todos no ponto de encontro do costume e à hora do costume (a situação que qualquer mãe desejaria para um filho e apanágio de todas as crónicas presentes no nosso blog) antes de mais uma extasiante ida às aldeias, mas... não! Não irei copiar ninguém! E não copiarei, unicamente porque à hora do costume me apresentava a ressonar ferozmente e de boca aberta (por favor tentem imaginar o cenário antes de prosseguirem com a leitura). E foi esta feroz ressonadela que me fez, uma vez mais, chegar a tempo de chegar atrasado às aldeias... (ui!)
Não sendo eu exemplo para ninguém, lá apareci então uns segunditos mais tarde do que o habitual no sítio onde todos estavam a almoçar. Desta vez decidiram pausar num parque de merendas perto do Restaurante Silva (que toda a gente certamente conhecerá pelo extraordinário parque de estacionamento que possui). Quando escrevo todos, refiro-me obviamente ao grupo das aldeias que ali manjava com as mãos e de boca aberta e também a um grupo de magnatas que ali se encontrava com a sua cozinheira contratada a comer de faca de peixe, carne, pinça/alicate para marisco, etc... O único pormenor que achei curioso foi o facto de todos deixarem o protocolo de relações internacionais de lado para beberem pela sua: sempre cheia caneca de vinho tinto!
Posto isto ou findo que estava o almoço, decidiram que estava na hora de queimar as calorias até à altura adquiridas, uma vez que as meninas lá presentes preveram que o Verão estava para durar e queriam ver se até ao fim do mesmo conseguiam vestir um fato-de-banho tamanho L em vez do habitual XL. Sendo eu um apoiante da recuperação da boa forma física, acedi sem qualquer atrito. Mas o pior estava para vir... É que quando me informaram da decisão da queima de calorias, nunca pensaria eu que para mencionada queima teria de atravessar uma ponte de madeira inteira de um lado a outro (!!!) a pé e com um rio por baixo e depois ainda, atravessar a correr uma curva de uma estrada nacional onde não havia visibilidade. Bom; honestamente poderia tê-la atravessado a passo e a um ritmo normal, mas não me parece que o camião que passou a toda a velocidade logo a seguir a eu ter atravessado fosse gastar travões num animal racional tão inofensivo quanto eu e para mais só para me deixar atravessar! Até porque seria apenas mais um mosquito participante no genocídio animal existente no pára-brisas daquele camião.

Mas lá me safei...

Gastas então que estavam as calorias, fomos directamente ao objectivo secundário de toda esta nossa visita: a ingestão de café para os dependentes em cafeína e a deglutição de gelado para os que gastaram as calorias todas a atravessar pontes e curvas de estradas nacionais! Obviamente que aqui o kamikaze comeu o seu geladinho de modo a restablecer energias para o que se avizinhasse. Com este grupo, temos de estar preparados para tudo! Sou até da opinião de que em vez de fazermos castings ou acolhermos possíveis voluntários no CREU, deveríamos começar a fazer castings conjuntos com os realizadores dos filmes RAMBO ou INDIANA JONES...

VISITA ÀS ALDEIAS

Após o cenário de risco extremo e desumano a que fui exposto, eis que havia chegado o momento do nosso objectivo principal – visitar os experientes e vividos jovens (aka idosos). As saudades de quem é emigrante e de quem anseia saber novidades sobre pessoas tão especiais como as que visitamos estavam a vir ao de cima...
Começamos com a visita à casa da D.ª Emília e do Sr. Aurélio, que infelizmente e doravante ficará apenas a ser conhecida como a casa da D.ª Emília, devido ao falecimento do Sr. Aurélio. Alguns de nós já desconfiavam que isto poderia vir a acontecer dado ao débil estado de saúde em que o Sr. Aurélio se encontrava na última visita tida, mas honestamente e como não participei na última visita, a única situação de que poderia desconfiar na altura era se teria ou não de ser submetido a mais uma prova de fogo, como por exemplo: atravessar um cruzamento na Tailândia de gatas e com um sinal a dizer “Acertem-me, se conseguirem!”.
Mas brincadeiras à parte e voltando à perda que nos surpreendeu, o Sr. Aurélio deixará saudades pelas conversas que tínhamos e pela imagem que me deixou. Imagem essa de um homem com uma austeridade moderada, talvez fruto das partidas que a vida lhe pregou e de uma simpatia ímpar, talvez fruto das partidas que pregou à vida e que o ensinaram a ser assim: simpático, idealista e afável.

Um até sempre, Sr. Aurélio...

Após a notícia, que a todos nos tinha entristecido, era então altura de disfarçar; dar alguma atenção e mostrar boa disposição à D.ª Emília tinha sido colocado naquele momento como objectivo a atingir! E atingimos, até que começamos a falar e divagar tanto, que as minhas compinchas de visitas quando se aperceberam, estavam a falar somente entre elas e de lojas de roupa, viagens, etc... Aqui se pode ver a diferença entre alguém com poder de compra e sem poder de compra. Tal como escrevi anteriormente, enquanto as compinchas deambulavam entre conversas de roupas e marcas de roupa, eu observava a filha da D.ª Emília a coser sapatos mesmo à minha frente, sempre na expectativa de mais tarde poder coser os meus e assim poupar dinheiro. É a crise e a vida é uma selva, por isso safe-se quem puder! Infelizmente, terei é de me safar por outro lado pois receio não ter ficado a dominar muito bem a técnica da força e a força da técnica com que a filha cosia os sapatos...
Estarão neste momento os venerados leitores a indagar: E o que se passou depois? (Pelo menos indagam aqueles que não desistiram logo no início do texto quando eu pedi para me imaginarem a ressonar de boca aberta)
Bom; depois estava na altura de passarmos pela casa da D.ª Fernanda. Para quem não conhece, a D.ª Fernanda é mais difícil de encontrar do que o coronel Khadafi! Ou está na sua horta escondida entre as couves, tal e qual como um agente especial, ou está a passear pela aldeia, ou está a ler mais uma edição de “Onde está o Wally?”, ou então... ninguém sabe onde está. Mas pronto; desta vez e com a ajuda dos serviços secretos da aldeia, pudemos encontrar a D.ª Fernanda a tratar dos seus feijõezitos à entrada da sua horta.
Lá nos rimos um pouco e trocamos informações sobre as nossas vidas, enquanto apanhávamos um sol sentadinhos num muro de pedra fresquinho, altura em que de um momento para o outro; verificamos que a gestão de tempo que até à data tinha sido responsabilidade da Teresa se estava a desviar calamitosamente do programado. Geralmente quando me atribuem a gestão de tempo nas visitas às aldeias, costumo levar uma folha de Excel com os vários cenários possíveis e estou sempre a fazer iterações matemáticas de modo a que à hora combinada possamos comparecer no ponto de encontro ou não haver desvios, mas a Teresa... apenas olhava para o relógio! Enfim; é o que acontece quando delegamos a gestão de tempo a amadores...
Após muitos beijinhos de despedida à D.ª Fernanda, fui ouvinte de mais uma triste notícia: a D.ª Celeste foi vítima de um AVC não há muito tempo. Tentamos visitá-la até porque todos desejáva-mos revê-la, mas pelos vistos não se encontrava na sua habitação que também não há muito tempo foi pintada de fresco e aumentada de modo a que o casal (D.ª Celeste e marido) pudesse usufruir com qualidade dos restantes anos de vida. Enfim... Muito prezo eu agora para que a recuperação desta partida que a saúde lhe pregou seja tão rápida quanto a rapidez com que nos mostra um sorriso sempre que nos vê.

Rápida recuperação D.ª Celeste!

Foi só atravessar a rua e estávamos na casa da D.ª Maria. Desta vez atravessei confiante e de peito inchado, devido à ausência de perigosas curvaturas na estrada.
Subimos a pouco fatigável escadaria da casa e no cume, tal como qualquer outro tesouro perdido no fundo dos mares, lá estava o nosso... a D.ª Maria. D.ª Maria que para quem não conhece é uma verdadeira fashion victim. Desta vez optou por um tailleur a simular um pijama cor-de-rosa propício para a época e ocasião em questão. Esta nossa D.ª Maria é indubitavelmente uma musa inspiradora para qualquer produtor de moda. Pena é que as portagens e ex-SCUT sejam caras e os mesmos considerem também que não seja economicamente viável a visita a casa da D.ª Maria para poderem copiar ou inspirarem-se em próximas tendências.
Cumprimentados então que estávamos, tentei sentar-me o mais rápido possível, na convicção de que o meu corpo curvado não transmitisse a paupérrima indumentária que tinha escolhido para aquele dia (jeans que tinha usado na noite anterior para sair e que ainda cheiravam a tabaco devido ao ambiente salutar em que me encontrava + t-shirt). Não estava minimamente trajado a rigor para me apresentar em frente de tamanha montra de moda internacional! E pela primeira vez naquela tarde, creio ter obtido sucesso...
Seguidamente, passamos à conversa e à lavagem de roupa suja, com bastantes indicações gestuais da D.ª Maria até que chegou a Ana... Este momento da chegada da Ana foi marcante, pois na altura estávamos a degustar vagarosamente um pequeno cacho de uvas entre vários que uma vizinha tinha oferecido à D.ª Maria. Mas; e não é que a partir da Sua chegada, a Ana assumiu o monopolismo da comidela dos cachos de uvas? Prezados leitores: Permitam-me que Vos informe que este ser-vivo do sexo feminino nem teve mãos para agarrar tamanha quantidade de uva que lhe aparecia à frente. Júlio Isidro apresentou há uns anos atrás um programa onde tentava colocar o maior número de pessoas dentro de um Mini. Nas aldeias temos actualmente a Ana que tenta colocar o maior número de cachos de uvas nas mãos. Mas obviamente tive de interpelar pois achei que a nossa colega podia apanhar diabetes com tanta frutose/sacarose! (prometo que vou deixar de ver o Dr. Oz).
Estavam terminadas as visitas e era altura da Teresa olhar pela última vez para o relógio e anunciar as sábias e seguintes palavras: “Ups... Está na hora!”. E lá caminhamos para o ponto de encontro final...
No que sobejamente muitos esperavam que fosse um dos pontos altos do dia, até porque caminhar também cansa e a mala do carro estava carregada com alimentos calóricos e gordurosos que todos adoramos; verifica-se que o grupo num acto desmesurado e plenamente insconsciente, elege o Diogo para proferir algumas palavras sobre o dia que passamos e as visitas que tivemos. Ora; qualquer ser-vivo no seu pleno estado de saúde (a Ana podia obviamente ser exclusão devido à enorme quantidade de açúcar ingerido) nunca elegiria o Diogo para proferir seja o que fosse. Mas lá aguardamos para ver o que iria sair... E o que saiu, estimados leitores, foi algo tão aboninavelmente dúbio quanto os discursos do Presidente da República Popular da China em directo para a TVI e sem a tradução em rodapé! Muitos de nós pensaram em suicídio, pois atrás de nós tínhamos um monte com uma inclinação acentuada; outros pensaram em correr desenfreadamente com o objectivo de nem a Rosa Mota os conseguir apanhar e eu... ri-me. Ri-me, de felicidade por ali estar, por não ser exemplo para ninguém, e porque a Joana também se riu (sempre a queimar o pessoal!)

Não termino este excerto sem mencionar que temos um novo visitado que tive todo o prazer em conhecer: o Sr. Lima. Pelos vistos naquele dia também não estava em grande forma, mas deu para perceber que gosta da nossa companhia e que é uma pessoa extremamente simpática. Simpático e fofinho era também o Seu cão. Aliás, era tão fofinho, tão fofinho, tão fofinho que devia ser embalsamado e colocado numa caixa forte de modo a que ninguém o roubasse! A Teresa também ficou apaixonada pelo canídeo e até o queria trazer para casa, mas devido ao seu elevado porte e força mandibular, entendi que não era uma boa opção. De seguida, apresento uma fotografia de um familiar do animal anteriormente referido.


E são assim as visitas às nossas aldeias... Desde vindimar a viajar numa viatura motorizada onde só tocava uma música dos Coldplay repetidamente e durante a viagem toda, já quase passamos por tudo.
Mas são este tipo de convívios e o companheirismo inerente aos mesmos que nos acrescentam valor como indivíduos, pois como poderia muito bem citar o Eng.º Diogo Costa:

“...só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.”


Do Vosso sempre:
Anton Romanovski (nome artístico para a escrita de crónicas)

7 comentários:

diogo costa disse...

citar-me a mim?!?
nahh... essa frase é do Sr Exupéry!!!

foi bom ler e chegar ao fim!! és sp o mesmo bem-disposto!!!

abraço

Anton Romanovski disse...

Vê-se mesmo que não leste com atenção... Eu escrevi citar e não proferir ou escrever! ;)
Mas pronto... Como já era na parte final do testamento e o cansaço imagino que seria muito, tens desculpa. =D

mega abraço para ti também

PS: Existia texto em itálico e centrado. O que lhe aconteceu? Até a foto do belo exemplar canino descaiu para a esquerda...

Anónimo disse...

Ao autor da crónica os meus parabéns. Confesso-me surpreendida com um texto tão humorado e bem escrito por um engenheiro!

Mas permita-me só dois ou três reparos à crónica:

- Não só consegui trazer 3 cestos de uvas com grande habilidade, como as despachei em 3 segundos;

- Não mencionou a nova voluntária (julgo que foi um dos pontos altos da visita);

- E, por último, é imperdoável não ter falado na tarte de maracujá, a única coisinha "mole" que podia comer;).

Anónimo disse...

Estava à procura de acções de voluntariado no porto, sobretudo na intervenção junto dos sem abrigo, quando vim parar a este site.
vi que fazem distribuição semanal pelas ruas do porto ao domingo à noite, como é possivel inscrever-me?
aguardo resposta
obrigada

diogo costa disse...

Pode entrar em contacto direto com a coordenação, ou indicar-nos o seu email.

Sara Gonçalves: 913 365 017
fasrondas@gmail.com

Obrigado

Anton disse...

Nova voluntária? Para mim era tudo novo... : )

Noooossa! Essa tarte de maracujá vai deixar saudades! Foi talvez um dos melhores momentos deste ano: a altura em que pude colocar os meus brackets nessa tartinha deliciosa de maracujá!

Marta disse...

Genial esta crónica!
Muito bem escrita do início ao fim... Tão bem escrita que me imaginei a passear nas aldeias toda divertida. :)

Parabéns