As rondas não são feitas de sacos, de roupas, de comida, de tempo. As rondas são feitas de pessoas. Daqueles que nos esperam debaixo de cobertores puídos de sonhos destruídos, de rosto sujo de indiferença, de olhar cabisbaixo e palavras contadas. De nós que os visitamos de sacos cheios de reservas e esperanças, pensamentos doces, lágrimas salgadas e o pão-nosso de cada dia. Começa por ser um domingo da semana, com pessoas que mal conhecemos e que nos recebem com apreensão. Com o frio e com a chuva, tornamo-nos pessoas movidas por uma obrigação. Com a rotina, e sem nos apercebermos, algo toma conta de nós. De uma forma subtil, que incomoda de tão íntima, tornamo-nos pessoas comprometidas com outras pessoas. Criamos relações. Já não há o meu eu do trabalho, o de casa, o dos amigos, o dos sem abrigo. Aquelas pessoas passam a fazer parte da nossa pessoa. Aquelas pessoas deixam de ser sem-abrigo. A sua casa é na minha preocupação, na minha vontade de saber como correu a semana, no chã que preparamos com cuidado antes de sair de casa, nos objectos que fazem falta, e nos esforçamos por encontrar em conjunto; nos telefonemas aflitos, na discussão de cada caso antes de entrarmos de novo na vida deles. Assim como eles entraram de rompante na nossa. Esta história é feita de compromissos. Comigo próprio, mas sobretudo com as pessoas que me acompanham. Com 4 pessoas de idades diferentes, trabalhos diferentes, gostos e ideias diferentes, mas algo em comum: este domingo, estas horas em que nos tornamos uma equipa com uma missão. Com uma relação. Podemos não ser amigos, como diz a Ana, nem ir jantar à casa do Rodrigo na Foz. Não arranjamos voluntários surfistas para Natália, e não sabemos conduzir como o Hugo, mas existe algo mais profundo que nos une: uma relação re-criada todos os domingos, entre nós…e os outrora sem-abrigo.
Vanessa Pereira
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