Vimos cantar as Janeiras | Boas festas desejar | Que tenha muita saúde | No ano qu'está a entrar. Foi com esta letra e a música de "Mãe querida, mãe querida" que o grupo de voluntários das aldeias fez sucesso no Marão. De início todas (e todas por que eram 10 voluntárias femininas) se mostraram apreensivas com a música um tanto ou quanto melancólica. Mas depois entrou no ouvido e "entranhou-se". Após o habitual almoço partilhado, seguiram-se os ensaios que não duraram mais do que 30 minutos. Talvez tempo de menos para quem nunca tinha cantado tais melodias. Mas o resultado foi glorificador. Partimos para a primeira aldeia, Candemil, com um plano de cantarmos duas a três músicas em cada casa, ou seja, não estaríamos mais do que 15 minutos em cada local. E, mesmo assim, a tarefa ia ser difícil, pois teríamos de chegar a 14 casas, de preferência ainda com voz e ânimo para alegrar as pessoas que visitamos e de modo a não entrarmos pela noite dentro (leia-se pelo jantar das pessoas adentro, o que habitualmente começa pelas 18h30/19h).
Mas o Homem planeia e Deus troca-nos as voltas. Chegamos à casa da Dona A., que habitualmente está bem-disposta, e encontramo-la muito cabisbaixa. Para além da gripe, estava sem telefone há uma série de dias. Isolada do mundo e da família. Logo nos dispusemos a ajudar. Uma chamada para os familiares do Porto para ver como estavam de saúde e um telefonema para o operador de modo a solucionar o problema. A família estava bem, Dona A. descansou. Até já se levantou da cama para oferecer um cálice de vinho do Porto.
Com o operador é que foi mais complicado. "É o sistema, diriam alguns". A chamada não surtia resultados. Sugeri que o restante grupo continuasse as visitas e fiquei ali pelo menos 20 minutos à espera que me atendessem o telefone! Descrevi o problema, "o telefone não faz chamadas e ao atender não se ouve." Sugestão do lado de lá da linha e de quem não conhece a realidade do Marão. "Não tem outro aparelho para substituir de modo a apurarmos se é do aparelho ou da linha?!" Ao que respondi calmamente, embora remoída por dentro: "Não, não temos aparelho. Têm de enviar um técnico aqui para ver o que se passa, pois a senhora vive sozinha e este é o único meio de contacto com o mundo."
E lá marcaram, com algum custo, a vinda do técnico (que segundo a Dona A. me disse a posteriori esteve lá logo no início da semana).
A Dona A. agradeceu profundamente e eu levei o sorriso e as palavras no coração.
Seguimos viagem. De Candemil para Ansiães. Aqui não cantamos na casa da Dona R., porque não entra música dentro dela desde que o marido e o filho se foram. Ainda assim, recebeu-nos bem, como sempre. A Dona O. estava dentro de casa, o que não é habitual, por causa do frio. Escutou-nos alegremente, ainda, que os ouvidos já a atraiçoem. Com um pulinho já estávamos com a Dona C., a nossa "cantora-mor". Infelizmente não estava nos seus dias, "está fraquinha", comentavam os visitadores de Ansiães. Apesar disso, ouviu-nos atentamente, muitas vezes batendo palmas e, ainda, arranjou força para "gritar": "levem, levem, levem uma laranja."
Basseiros foi a paragem seguinte. Não encontramos duas senhoras em casa. Às vezes acontece, ou porque vão para casa dos filhos, ou porque se deslocam para os seus afazeres. Mas a Dona C. estava em casa. A visita levou calor ao seu coração que ainda lembra o marido, falecido há dois anos, com lágrimas nos olhos. "Gostei muito, muito obrigada" repetia insistentemente, perguntando se tinha de dar alguma coisa como é tradição nas Janeiras. "É claro que não!" (pelo menos material, porque emocional já estava a dar muito). A Dona D., estava junto à lareira para se aquecer. Encontrava-se adoentada e agradecendo a visita foi-nos pedindo para não cantarmos muito, não estava com muita disposição.
Dali rumamos a Bustelo. A Dona P. também não estava em casa. Seguimos para a casa da Dona C. e da irmã, a Dona M. Na varanda fomos entoando os cânticos festivos que chamavam a atenção de quem passava na rua "estas meninas não parecem deste tempo", ouviam-se algumas vozes. Seguiu-se a casa da Dona F. que, ao fim de uma música, já tinha entrado no ritmo e acompanhava-nos nas cantorias. A casa do Senhor A. e da Dona E. foi a última a ser presenteada. Fechamos ao rubro, com as gargantas ainda afinadas, a dar conta de todo o repertório do dia. E a abrir a porta aos curiosos que iam entrando para perceber o porque das guitarras e das canções. O dia terminou com a oração e partilha em Bustelo, com o frio a arrefecer o corpo, mas com o coração quente de tanta alegria. Para o ano, esperamos, há mais.
Claúdia Gonçalves
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