quarta-feira, outubro 29, 2008

Crónica dos Aliados - 26.10.2008

A ronda de hoje começou com bastante frio e um voluntário novo, o Guilherme, além de nós. Iniciamos a ronda pela zona de Cedofeita, desta vez com uma autêntica feira. De facto, apareceram os habituais Sr A. e Sr. A.2, bem como o J., que aparece de vez em quando, apenas quando não está ocupado com alguma das suas quatro namoradas do costume… Para além destes, apareceram o E. e J.A.. Para além das conversas habituais de futebol, que é sempre um dos temas de conversa abordados (apenas para quebrar o gelo), recebemos todos massagens do J., que devia começar a cobrar em saquinhos de arroz ou massa, pois tem imenso jeito (além de endireitar as costas). O E. e J.A., que já não víamos há algum tempo, estiveram-nos a contar as suas artimanhas de arrombar as portas das casas antigas para conseguir dormir com o mínimo de conforto. Afinal também aprendemos alguma coisa nas rondas…

Passámos à próxima paragem, onde esperávamos encontrar o J.C. e o J.. No entanto, apesar de termos esperado algum tempo, não os encontrámos lá. Vamos tentar passar lá esta semana para ver se os vemos. Temos vindo a acompanhar o J.C. há algum tempo. É um senhor de meia-idade muito afável e muito lutador por aquilo que quer. Quando o conhecemos ele estava a dormir na rua, e estava a tentar arranjar um quarto pela assistente social, com a ajuda de umas meninas de uma associação de apoio aos sem-abrigo (a C.A.S.A.). Neste caso, nós apenas acompanhávamos e proporcionávamos alguma companhia. No entanto, era visível pelo brilho dos olhos dele a alegria da nossa companhia, o que também nos enchia de alegria. Recentemente conseguiu arranjar um quarto, fiado na conversa da dona do quarto, que dizia que o quarto tinha duas janelas, o que o fez aceitar logo, devido ao seu problema de bronquite asmática. O que a senhora se esqueceu de dizer é que o prédio tem uma casa de banho de menos de 1mx1m para três pisos de quartos, o quarto era num sótão a cair de podre com as paredes amarelas do mofo, mal cabe a cama, não tem cómodas nem guarda-fatos. Como tal, encontra-se neste momento a tentar arranjar outro quarto… Esperemos que consiga arranjar!

De seguida, fomos falar com o P. e o F., embora só lá estivesse o primeiro. No entanto, estava lá com uns tubinhos e uns limões, e disse-nos educadamente que não era boa altura, embora nos tivesse prometido que na semana seguinte estaria lá à nossa espera com outra disposição. Que coincidência estes sem-abrigos andarem todos com limões, deve ser para beberem limonada antes de adormecer (eh eh).

Na nossa última paragem desta ronda, fomos falar com o F.. Mas, como diz o ditado, o melhor fica para o fim! De facto, este senhor, de meia-idade e com uma grande barba, é simplesmente o máximo! Isto porque tem sempre histórias mirabolantes para nos contar, dos seus tempos de juventude e não só. As suas anteriores ocupações também levam sempre a interessantes conversas, embora eu ache melhor não aprofundar muito este assunto… Diz-nos também que nunca dorme, apenas descansa a vista. No entanto, algumas vezes passamos lá e somos capaz de jurar que estava a ressonar, mas deve ser impressão nossa. Nesses dias acabamos a ronda tristinhos, pois perdemos o melhor momento da noite … A "suite" que ele constrói para dormir é também um factor da nossa admiração. De facto, o F. dorme mais confortável do que num colchão pikolin, pois deita-se em cima de 5 ou 6 sacos de viagem cheios de roupa (que às vezes nos quer oferecer). Além disto, tapa-se completamente com um conjunto de plásticos estrategicamente atados com cordéis à fachada do edifício onde está (tal como num remendo de um pano), o que lhe permite abrigar-se do vento e da chuva. E com esta visita terminámos a ronda de hoje, cheios de vontade de voltar a encontrar estas pessoas a quem o mundo voltou as costas…

Raul Campilho

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