domingo, abril 22, 2012

Crónica da Ronda de Santa Catarina 15.04.2012

«Não somos carrinhas»

Qual é a diferença entre o FAS Rondas e as carrinhas que distribuem comida às pessoas que estão na rua? Até há pouco tempo a resposta parecia-me óbvia. Porque no FAS o «saquinho» do domingo à noite é o isco para ganhar a confiança de quem visitamos. Porque o FAS não quer matar só a fome, quer alimentar relações, quer encaminhar casos, quer ajudar as pessoas que fizeram da sua casa a rua a encontrar um caminho, seja ele qual for.
Em quase dois anos de rondas no FAS tudo isto parecia fazer sentido e sabia bem porque é que minha ronda era diferente das carrinhas. Não temos de facto uma carrinha, não usamos coletes refletores, não temos pontos de paragem para aquecer estômagos vazios em noites frias de inverno.
Somos conhecidos como os meninos dos «saquinhos dos bolinhos». Aqueles do domingo à noite, que vêm num carro preto particular, o do «Senhor Rodrigo». Do FAS nunca ouviram falar. Sabem quem somos, que estamos lá aos domingos, e isso é o que importa. 
Nunca tinha tido dúvidas da nossa missão e papel enquanto associação até ser confrontada com novos casos, de pessoas que ouviram falar da nossa «carrinha». Vêm pedir comida, a conversa até pouco pode importar, muito menos a nossa missão. Tentamos explicar que «não somos carrinhas». Não compreendem. Resistimos. 
Primeiro argumento: «Não temos. Trazemos os saquinhos contados para as pessoas que já acompanhamos». Segundo argumento: « A prioridade são as pessoas que estão na rua». Certo. Bastante lógico. Problema? Quase metade dos casos que acompanhamos corresponde a pessoas que vivem em pensões, ou porque transitaram da rua, ou porque têm tantos ou mais problemas de dependências que precisam de ser encaminhados. 
Dois argumentos e ainda não é suficiente. Reagem com surpresa, alguma revolta e desconfiança. Fingem não ouvir as nossas justificações e despedem-se com um «ok, no próximo domingo estou aqui à espera do saquinho».
Provavelmente, isso não vai acontecer. Temos o «plafond» de casos quase esgotado. Mas como é que se nega o «saquinho» a pessoas que vêm pedir comida? Só porque não somos carrinhas? Só porque o saquinho é para as pessoas referenciadas por nós? Porque não temos capacidade para abraçar novos casos e dar o acompanhamento que era desejável? Será justo este método de triagem? Não sei e isso incomoda-me.

Ana Oliveira

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