quarta-feira, fevereiro 22, 2012

FasFamilias - Crónica de Fevereiro 2012

"…Foste sorteada para escrever a crónica de Fevereiro!"

…Boa!...E agora, por onde começo?!...O que escrevo?!...

Vou dar uma vista de olho nas crónicas do blog, a ver se me inspiro!...

Tudo tão rico! Tudo tão sentido!

Mas…O que hei-de dizer?...

Ao ler a crónica de Julho, do exercício de defesa de permanência de caso que fizemos, relembro o ponto de situação do M. nessa altura. Eu e o Jorge reconhecíamos que o nosso caso se aproximava do fim. O M., ao fim de cerca de 20 anos na droga e de altos e baixos estava numa fase muito boa! Depois de deixar a droga e de uns anos na metadona, deixou metadona por livre iniciativa, sozinho, arranjou emprego sozinho, no qual se estava a dar muito bem, encontrou uma namorada/companheira com quem foi viver ao fim de algum tempo, foi visitar a família, reencontrou-se com os filhos que vieram a Portugal, ao fim de vários anos sem os ver ("matando" os fantasmas que tanto lhe vinham à cabeça nos últimos anos), estava positivo, optimista, confiante, lutador, nada de "lamechices"…Um novo M.! Até nos parecia bom demais para ser verdade! Era uma alegria muito grande, vê-lo assim!

Agora, pouco mais de meio ano depois, custa um pouco ver que tudo voltou atrás…A relação do M. com a namorada deteriorou-se e terminaram, o emprego foi perdido, o M. tem alternado entre a rua e quartos que se vão arranjando, o mundo dele voltou a "desmoronar-se", o pessimismo voltou, veio o medo das doenças, a revolta, a metadona e as drogas voltaram a entrar na vida dele, a vergonha (?) de nos atender os telefonemas apoderou-se dele, foi-se "fechando"…

Mas ser voluntário é isso mesmo, é estarmos lá, é eles saberem que se precisarem nós estamos disponíveis, estamos do lado deles. Não os podemos substituir, não lhes podemos "impingir" as nossas verdades, as nossas "fáceis soluções", pois qualquer mudança, qualquer passo em frente, depende acima de tudo da vontade deles e da abertura deles para dar o passo em frente.

Ser voluntário é estarmos preparados para estes altos e baixos, é aceitarmos que o "mundo deles", a realidade deles, foi construída com bases diferentes da nossa, que as ferramentas deles são diferentes das nossas e que não lhes é fácil utilizarem as nossas, por muito básicas que elas nos pareçam.

É estarmos lá para lhes darmos a mão…Quando eles a querem!...E fazê-los sentir que estamos presentes, seja para conversar, seja para dar a mão para um novo passo, seja simplesmente para…estar!

É tentarmos manter viva alguma esperança na vida deles…Tentarmos que essa esperança entre de alguma forma, seja por uma minúscula fenda, seja por uma janela ou uma porta abertas…E que lhes possa dar alguma força para reagir, para poder ver as coisas de outro ângulo…Por muito pequeno que esse ângulo possa ser…

É fazê-los sentir que, por muito mau que o mundo deles possa parecer, ainda há alguém que acredita neles, que acredita que a esperança pode voltar a aparecer-lhes e levá-los a lutar e a andar para a frente, a serem capazes de se levantar cada vez que tropeçam…E as quedas são muitas, porque neste "mundo deles" ou obstáculos são maiores, a luz é mais ténue e as ferramentas para sair deles são mais rudimentares…Mas estamos cá, de lanterna na mão, para lhes tentar iluminar o caminho…Por um bocadinho que seja…


Com altos e baixos, com alegrias e tristezas é bom sentir que por vezes podemos ser uma lanterna que os ilumina…Embora muitas vezes as pilhas não consigam iluminar muito, mas sempre na esperança que a luzinha, por ténue que seja, possa ser vista e possa iluminar um pouco os seus caminhos e fazê-los ver pelo menos o próximo degrau!

E fazer parte do FAS para mim é isto!

Temos a sorte de ter este grupo de voluntários fantásticos, umas "organizadoras" que nos dão todo o apoio e energia necessárias…E nos castigam com umas crónicas para escrever!...

J

O meu muito obrigada a todos os voluntários e a toda a organização por tornaram possível manter uma luz acesa na escuridão da vida de tanta gente!

Gabel

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Crónica da Ronda de Santa Catarina - 04.02.2012

A noite está mais amena do que eu esperava. Parece que a vaga de frio nos deu tréguas por hoje.

A ronda começa como as anteriores, aproximamo-nos do Sr. A., damos-lhe as boas noites, tentamos começar uma conversa. Sem demoras, o Sr. A. diz-nos que não quer falar connosco, "Vão-se embora! Deixem-me em paz!". Desiludidos, não temos outra escolha senão aceitar e voltar a tentar na próxima semana.

É necessário recuar algumas semanas na minha memória para conseguir ver o Sr. A. a fazer-nos sorrir com as suas histórias ou a falar das notícias que leu no jornal. Desde então, à medida que o Inverno foi avançando, foi mudando de sítio e de disposição. Agora, com a cara tapada pelos cobertores e sem que saibamos porquê, pede-nos para o deixarmos.

Esta incerteza de não sabermos se vamos encontrar alguém no "seu sítio" ou não, se esse alguém nos vai querer falar, se vai estar a dormir (ou a fingir que dorme) é algo que aprendemos a aceitar. Voltamos a tentar com a mesma esperança na semana seguinte.

Nova tentativa. Batemos a outra "porta": o Senhor J. A expetativa de o encontrarmos não é muita. Já há duas semanas que não o encontramos no "seu sítio". Até hoje, nas nossas poucas visitas nunca conseguimos ir além de conversas curtas, deixar o "saco" e um cobertor.

Mas hoje encontramos o Sr. J., recebe-nos bem disposto, senta-se, aceita uma cevada quente e conversa connosco. Num tom ligeiro confia-nos a sua história, fala-nos da saída de casa ainda novo para o "Grande Hotel" onde fez o "13º ano" e a formação de soldador. "Qual o nome desse Grande Hotel?" perguntamos."Custóias City" responde com um sorriso. Prossegue o seu relato, que passa pelo trabalho de soldador, um acidente de trabalho, a rua, a medicação substituída pelo vício que exibe numa garrafa de plástico, os irmãos a quem a vida não tratou muito melhor do que a ele.

Para desanuviar muda o assunto, falamos de coisas mais alegres, e até brincamos com os seus ataques de sonambulismo. Despedimo-nos com sorrisos, agradece-nos a conversa, deixamos a certeza que voltamos na próxima semana. Não sabemos se o encontraremos na próxima semana.

São várias as "portas" onde ainda iremos bater nesta noite. Não sabemos se debaixo de cada cobertor está alguém à nossa espera com um sorriso ou tão pouco com vontade de trocar dois dedos de conversa. Mas sabemos que, de cada vez que a persistência dá frutos, sentimos uma esperança renovada. Cada sorriso, cada conversa, cada pessoa que confia em nós, cada pequena conquista, mostra-nos que vale a pena a espera, mostra-nos que vale a pena continuarmos a tentar.

Luís Silva

quinta-feira, fevereiro 09, 2012

Crónica FasFamilias Janeiro

Ironias da vida!
Sendo eu a mais "Jurássica" (na idade) do FAS – FAMILIAS, sou a "caloira" indigitada para escrever a crónica e confesso que me sinto um pouco hesitante...
É a primeira vez que estou no FAS. É a primeira vez que apoio uma família, embora com uma tarefa em que estou à-vontade. É a primeira vez que escrevo uma crónica. É a primeira vez que faço parte de uma equipa muito mais jovem do que eu e com quem tenho aprendido muito. É a primeira vez que... Diz o nosso povo que há sempre uma primeira vez... e talvez seja verdade.
Como ainda não 'conheço os cantos todos da casa', não sei muito bem o que esperam de mim, mas parece-me que está tudo a correr conforme se pretende.(Só precisamos de fazer com que os nossos meninos tirem melhores resultados na escola.) Temos uma boa equipa coordenadora, muito solicita, entusiasmada e exigente, perfeitamente imbuída do espírito Inaciano e sempre pronta a ajudar.
Tem sido um trabalho de equipa muito interessante e gratificante, com apenas um senão, que é a constante mudança de horário. Parecia que já tínhamos acertado na equipa e no dia a visitar a família, mas eis que, de repente, tudo se altera. Isto traz algum transtorno, mas esperamos que estabilize, pois os nossos pupilos também tiram proveito disso.
A família que estamos a apoiar é numerosa, pois há quatro crianças residentes e, por vezes, vêm os amigos e vizinhos pedir uma 'ajudinha'. São crianças interessadas, embora a mais velha ande pouco entusiasmada. Temos que desenvolver estratégias para a animar e mostrar as vantagens de estudar, embora já tenhamos tido algumas conversas de esclarecimento. Santo Inácio nos inspire!
Está a ser um novo desafio para uma professora reformada, que dificilmente consegue viver sem meninos e sem dar aulas. Para os membros mais novos da equipa, tem sido também uma experiência enriquecedora, pois apercebem-se das dificuldades que a família e os professores têm com as crianças que crescem a sofrer a falta dos pais, ou de um dos progenitores. Os resultados escolares estão a melhorar e todos ficamos felizes com isso. Contudo, preocupa-me a falta de organização e concentração familiar, tão necessárias ao sucesso destas crianças. Sei que temos de caminhar ao lado, ouvir sem interferir e apenas cumprir a missão que nos foi confiada,mas creio que há mais pessoas naquele seio familiar a precisarem de ser ouvidas. Como? O tempo o dirá e Deus nos há-de ajudar.
Todos aceitámos este "convite à desinstalação, para que nas grandes linhas da nossa vida, mas também nas pequenas opções do nosso dia a dia, não fiquemos apenas pelo não fazer o mal. Santo Inácio quer-nos levar mais longe, quer que em cada momento o nosso critério de escolha, de decisão e de execução, seja o mais e o melhor, o mais humano que simultaneamente é o mais apontado para Deus, o Omega do Homem". Estou convencida que estas palavras do Padre Vaz Pinto, proferidas em Fátima, na 2ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana, se calaram bem em nós e, assim,estamos prontos a prestar 'mais e maior serviço de amor'.
Que o Espírito Santo desça sobre nós e nos ilumine!

Maria do Carmo

Crónica FasFamilias Dezembro

Querem que vos conte uma história?...
SIM?!
Querem mesmo?... Não é a história do nascimento do Menino Jesus.
É uma história de Natal, em que se fala de Amor...
Há já algumas quinta-feiras, que vou com a "Estrela" (é quem ajudo!) buscar alimentos ao Pingo Doce. E a seguir vamos pro Centro de S. Cirilo organizar os cabazes para serem entregues a famílias com dificuldades. Nas nossas idas ao Pingo Doce, muitas vezes encontrámos à porta um sem abrigo, "velhinho", inofensivo e doce... A "Estrela" faladora com é, fez logo conversa com o "velhinho". Eu fiquei num sorriso e aperto de mão. E assim, foram algumas quinta-feiras... até que...
Numa dessas tardes, preparo-me para sair de casa. Entro no carro e vou buscar a "Estrela" ao sítio marcado. Já no meu carro, a "Estrela" fala, fala e fala e eu lá vou dizendo pois, pois é... e por aí fora... Quando chegamos ao Pingo Doce estava uma confusão de carros. Tive que estacionar em segunda fila com os quatro piscas. Pedi à "Estrela" para ficar a guardar o meu carro enquanto ia buscar os alimentos ao supermercado. À porta, lá estava o nosso "velhinho" que cumprimentei como o costume.
Estava eu a falar com a funcionária do Pingo Doce, quando de repente vejo o nosso "velhinho" a entrar esbaforido à procura de alguém... esse alguém era eu! Quando me viu disse com a maior preocupação que eu tinha que ir lá fora, e rápido, pois estava um policia a querer passar-me uma multa. Agradeci ao sem abrigo e corri lá para fora. Quando chego à rua... encontro a "Estrela" do outro lado do passeio a falar com o policia. Eu, bem queria atravessar para ir ter com ele, mas não conseguia, no meio da confusão de carros sempre a passar. A "Estrela" consegue primeiro que eu atravessar para o meu lado e diz-me: "Inês, não se preocupe eu já falei com o policia... e expliquei tudo. Ele não lhe vai passar a multa, está tudo resolvido!"
Foi tudo muito rápido...
Na altura nem consegui "Ver" o que tinha acontecido... só sentia uma grande Alegria interior...
Mas o que é que estava a acontecer?...
Mais tarde, recordava este episódio e pensava como é bonito perceber a dinâmica da Lei do Amor.
Supostamente era eu que queria a ajudar a "Estrela" e o "velhinho" e de repente são eles que se preocupam em me ajudar... Cada um podia ter ficado na sua... mas não ficaram!!!
Esta episódio pode ficar numa história banal... se ficarmos simplesmente nos factos. Mas, se formos como os pastores que foram a Belém, "para vermos o que aconteceu e que o Senhor NOS DEU A CONHECER..." (Lc 2, 15-20) tudo muda!
Ao vos contar esta história, que se passou numa quinta-feira aparentemente normal, não posso de deixar de dizer SIM... é nesta LEI que eu ACREDITO... a LEI DO AMOR!
Inês Azeredo